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Pela Equidade, e Sem Favor
Por JOAQUIM FIDALGO
Domingo, 17 de Outubro de 1999

Uma das acusações mais sérias que pode ser feita a um jornal, porque mexe com a própria essência da sua responsabilidade social, é que ele se oriente por critérios extra-jornalísticos, nomeadamente de favorecimento pessoal, com isso ferindo os princípios de igualdade a que todo o cidadão tem direito. Noticiar determinados factos porque dizem respeito ao (desconhecido) senhor A e não noticiar factos semelhantes porque dizem respeito ao (amigo) senhor B é, postas assim as coisas, inaceitável. E contra todas as regras éticas do jornalismo.

Pois foi precisamente deste pecado que o leitor Carlos Fernandes acusou o PÚBLICO, a propósito da notícia publicada em 25/9/99, sob o título "Tribunal de Contas aponta falhas à gestão financeira - Contas da Feira de Frankfurt criticadas". Recorde-se que a notícia tinha por base um relatório razoavelmente crítico do Tribunal de Contas sobre a sociedade Portugal Frankfurt 97 (responsável pela presença de Portugal na Feira do Livro de Frankfurt, e presidida por António Mega Ferreira). Aí se dava informação sobre as reservas do tribunal a diversos aspectos da gestão da sociedade e, simultaneamente, se apresentava a defesa de Mega Ferreira - que é também, como se sabe, colunista do PÚBLICO - no tocante às diversas acusações.

São três, no essencial, as críticas do leitor: que a notícia saiu "com dias de atraso face à concorrência", que neste texto "se omite tudo o que o relatório ilustra como abusos de gestão (...) e se sobrevaloriza de uma forma escandalosa as explicações do responsável pela sociedade em causa" e, finalmente, que "o PÚBLICO preferiu 'branquear' o seu colunista a denunciar, com base em factos e exclusivamente em factos, os desvarios dos administradores e altos responsáveis" da Portugal Frankfurt 97.

José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO, concorda com o leitor quanto ao primeiro ponto e diz mesmo que foi a direcção quem deu indicações à secção de Cultura para que tratasse o tema, "criticando a desatenção que permitira que outras publicações se antecipassem". Já quanto ao resto, discorda das apreciações do leitor: "Conhecidas as acusações feitas aos gestores da Frankfurt 97, importava ouvi-los, em especial ao principal responsável, Mega Ferreira. Foi isso que foi feito". O director do jornal concede que "a notícia do PÚBLICO não está, efectivamente, escrita com o tom de acinte que se nota nas peças de outros jornais". Entende também que "eram de duvidoso interesse público" certos "detalhes" desenvolvidos noutras notícias. Rejeita, enfim, que tenha havido qualquer intenção de beneficiar Mega Ferreira por ser colunista do PÚBLICO: "Houve, sim, a preocupação de ser equilibrado e imparcial, um dos exercícios mais difíceis do jornalismo".

Não há receitas únicas para fazer notícias. E quando tem de se verter para uma vintena de linhas o essencial de um relatório com dezenas de páginas, é certo e sabido que cada jornalista vai fazer a sua própria síntese. A questão está em saber se apanha, ou se deixa escapar (mesmo sem intenções obscuras), o que verdadeiramente importa em termos do interesse público. Neste caso, o que importava era saber, com maior ou menor recurso a exemplos concretos, como é que a sociedade Portugal Frankfurt 97 tinha cuidado dos dinheiros públicos que lhe foram confiados, uma vez que chegara ao fim com um desvio negativo de 417 mil contos face ao orçamento. Importava também saber até que ponto os gastos excedentários teriam sido feitos para o fim a que se destinavam (a Feira do Livro de Frankfurt) ou para fins particulares.

Lida a notícia do PÚBLICO (e comparada com textos de outros jornais), não parece ao provedor que tenham sido escamoteados dados essenciais da questão. Mesmo sobre a suspeita de que alguns administradores da sociedade teriam usado em proveito pessoal as facilidades do cartão de crédito que lhes estava distribuído, o PÚBLICO refere (citando) a aquisição de "brinquedos, CD, vestuário, artigos domésticos" - não parecendo que fosse imprescindível, para a questão de fundo, ir ao pormenor de dizer que tipo de brinquedos ou que peças de vestuário foram comprados. Apenas confirmaria o já dito.

Sobre a possibilidade que foi dada a Mega Ferreira, enquanto responsável máximo da sociedade, para dar as suas explicações, o procedimento também se afigura adequado. Embora não tenha sido, esse sim, seguido por todos os outros jornais... O "princípio do contraditório" é uma regra de ouro do PÚBLICO, como diz o Livro de Estilo, que vai ainda mais longe: "Qualquer informação desfavorável a uma pessoa ou entidade obriga a que se ouça sempre 'o outro lado' em pé de igualdade". Este "princípio de equidade" justifica o grau de desenvolvimento das respostas do acusado, proporcional às críticas concretas que recebeu.

Na opinião do provedor, não está errado o que se fez com Mega Ferreira (e o jornalista Pedro Ribeiro, autor da notícia, garante que nem sequer se lembrou que ele era colunista do PÚBLICO quando tratou o assunto); o que está errado é que por vezes não se faça com outros visados - menos conhecidos, menos mediáticos, logo mais desprotegidos - o que se fez com Mega Ferreira. Porque qualquer cidadão, por mais anónimo e indefeso, tem direito a idêntico tratamento. E sem favor.

Às notícias não compete julgar. Ao jornal não compete, aqui, julgar da justeza das críticas do tribunal ou da bondade das justificações de Mega Ferreira. Compete, sim, fornecer todos os elementos considerados indispensáveis para que os leitores analisem e pensem por si próprios. A notícia em causa podia ser maior ou mais pequena, podia ter tais ou tais exemplos, podia ter esta ou aquela estrutura. Mas, na forma como foi publicada, parece correcta. Mais: contém os ingredientes bastantes para que o leitor perceba se os dinheiros públicos foram (ou não) adequadamente utilizados neste caso - e faça o seu juízo.

Tem justos motivos para a sua indignação o leitor João Pedro Moura, que em dois dias seguidos se queixou do modo como o PÚBLICO maltratou os números. De facto, não foram "6,6 portugueses, em cada mil" que se suicidaram em 1996 (edição de 10/10/99), mas "6,6 portugueses em cada cem mil". E também não se pode falar de taxas de natalidade de "11,4% por cada mil habitantes" (edição de 11/10/99): ou é "por cento" ou é "por mil", e no caso era obviamente "por mil". Os autores dos erros penitenciam-se - e o provedor insiste no voto de que os mecanismos de revisão e controlo funcionem melhor.

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