Futebol do Brasil Sob Investigação

Questão dos passaportes é apenas uma das vertentes do inquérito parlamentar

Além da fama mundial que justamente cimentou ao longo dos anos, o futebol brasileiro tem sido também, nos últimos tempos, fonte de enorme controvérsia no interior do próprio país. Tal decorre não só da sua relevância social, mas também muito por causa das avultadas somas que movimenta, num país onde as carências são ainda de vária ordem.

Não admira, portanto, que o poder político se tivesse interessado pelo tema e decidisse investigar os fortes rumores sobre escândalos que indiciam negócios espúrios, corrupção, evasão fiscal e contrabando de divisas, sempre envolvendo somas milionárias, que, nos últimos tempos, circulavam de forma bem pouco discreta. Como se isso não bastasse, a tudo isto veio ainda juntar-se a humilhante derrota da selecção "canarinha" frente à França, na final do último Mundial, ainda por cima envolta num clima de mistério e suspeição sobre as reais condições físicas em que alinhou a estrela Ronaldo. Seguiu-se depois uma série de resultados bem pouco brilhante, sob o comando de técnico de Wanderlei Luxemburgo, circunstâncias que, no seu conjunto, podem explicar a criação, pelo Senado brasileiro, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o mundo do futebol.

Caído em desgraça pelos resultados, Luxemburgo foi o primeiro a ficar sob a alçada da investigação, acusado de evasão fiscal em montantes que ultrapassam um milhão de dólares (mais de 230 mil contos) e indiciado em duvidosas intervenções em negócios de compra e venda de jogadores que convocava para os jogos da selecção e depois eram vendidos por chorudos montantes para equipas estrangeiras, geralmente da Europa. Logo a seguir, veio a divulgação pública do contrato entre a multinacional de equipamentos desportivos "Nike" e a poderosa Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que, além de obrigar os brasileiros a disputarem 50 jogos particulares "com pelo menos oito dos habituais titulares" da selecção, durante os dez anos de vigência do contrato, impõe ainda que "o contrato se rege pela legislação suíça", o que implica que a CBF nunca possa demandar a "Nike" nos tribunais brasileiros, enquanto a empresa pode recorrer "a qualquer tribunal de qualquer país ou território onde se situe qualquer propriedade da CBF".

Estas cláusulas irritaram a opinião pública no Brasil, ao ponto de um senador ter declarado ser necessário "averiguar se a selecção brasileira representa os interesses do país ou os da 'Nike'". E nem a poderosa TV Globo escapou à sanha investigatória, sendo acusada de tirar gente aos estádios ao determinar os horários dos jogos segundo as suas conveniências, transmitindo-os depois do horário da principal novela.


Ronaldo preso à "Nike"

A divulgação do contrato com a "Nike" fez também aumentar as suspeitas de que teria sido esta multinacional a impor que, apesar de doente, Ronaldo tivesse alinhado na final do Mundial de França. Esta tem sido, aliás, uma das mais controversas vertentes da CPI face às repercussões públicas dos depoimentos de personalidades como Ronaldo, Romário, Edmundo, ou mesmo o dramatismo que envolveu as declarações do treinador Mário Zagalo, que chegou a emocionar-se, perante o embaraço dos deputados-inquiridores.

Na Europa, também os clubes espanhóis se insurgiram contra as frequentes convocatórias dos seus jogadores para jogos amigáveis da selecção brasileira, insinuando que corresponderiam apenas às obrigações assumidas no contrato com a "Nike". Ao mesmo tempo, rebentava o escândalo dos passaportes falsos, que, no que ao Brasil diz respeito, teve origem com a recusa das autoridades inglesas à entrada de Edu. O jogador brasileiro tinha sido contratado pelo Arsenal, de Londres, mas as autoridades detectaram o falso passaporte português que o empresário Juan Figer disse, depois, ter-lhe sido fornecido pelos portugueses "Caldeira" e "Domingos Djalo".

No Senado brasileiro, a Comissão Parlamentar para averiguar o contrato entre a "Nike" e a Confederação Brasileira de Futebol decide então abrir uma averiguação específica sobre a questão dos passaportes. O relatório preliminar que o PÚBLICO hoje divulga (ver texto na página anterior) conclui que "Caldeira" e "Djalo" - que nunca foram verdadeiramente identificados - contam com cumplicidades internas na Polícia portuguesa e que "Portugal é o epicentro de emissão desses documentos".

J.A.M.

 

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