José Franco, o "Queridinho"
de Jorge Amado
Quarta-feira, 8 de Junho
de 2001
Zélia Gattai contou no livro autobiográfico
"A Casa do Rio Vermelho" (ed., Record), como Jorge
Amado encontrou José Franco. Foi na companhia de Francisco
Lyon de Castro - o então editor do romancista baiano
- e a actriz Beatriz Costa, que um dia foram visitar a aldeia
do Sobreiro, a meio caminho entre Mafra e Ericeira. Foi no
final da década de 60.
Depois, sempre que vinham a Portugal, voltavam
lá, religiosamente. Com eles apareciam Carybé
e Mário Cravo. O que a maior parte das pessoas não
sabe é que a casa dos Amados, na Rua das Alagoinhas,
33, em Salvador da Bahia, é quase totalmente decorada
com peças de José Franco, que competem com as
de Rosa Ramalho, espalhadas por toda a moradia. Uma das razões
por que o escritor peregrinava sempre rumo ao Sobreiro.
Madonas, santos, bacos, bandas, galos de várias
cores e sapos, muitos sapos. Jorge Amado era um louco por
sapos, a começar pelo primeiro carro que teve, um Citroën
ID19, "um cara de sapo", com "os seus faróis
[que] parecem dois olhos arregalados", como conta Zélia
quando adquiriram o "sapo preto".
Na porta da casa das Alagoinhas, há
dois pequenos azulejos, com dois corações pintados,
e dentro de cada coração, estão quatro
nomes: Jorge e Zélia, José e Helena. Foi a mulher
do oleiro que, antes de morrer, fez a placa para os baianos.
E há outro igualzinho no Sobreiro...
Zélia, como o PÚBLICO pode confirmar
quando esteve em casa de Jorge Amado (ver crónica nestas
páginas), prepara, ainda hoje, a quente comida baiana
num serviço de barro, sobretudo "em grandes ocasiões",
saído das mãos do artista.
Aos 81 anos, José Franco beija todas
as noites, antes de se deitar, uma foto de Jorge Amado. Com
os olhos embaciados, confessa. "Sabe, sou muito crente."
A memória vai esmorecendo e já não se
lembra quando é que os seus amigos baianos o visitaram
pela primeira vez. Doutras, lembra-se. Amado, diz, "gostava
muito daquele pãozinho com chouriço com um tinto
bem fresquinho - aquilo para ele era uma alegria".
O autor de "Mar Morto" tratava-o
por "queridinho", José Franco por "meu
grande amigo". Davam passeios juntos e falavam muito.
"De coisas íntimas, sabe como é...",
diz com um sorriso maroto. Agora que Jorge Amado morreu, só
tem pena de não ter tido tempo de fazer para ele a
última peça em barro: um livro da vida humana
em que ele fosse a personagem principal, ao lado de Deus e
do seu orixá.
C.C.L.
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