Amado Jorge
Por Mário Negreiros,
Rio de Janeiro
Quarta-feira, 8 de Junho de 2001
Nasceu em 1912, no Sul da Bahia. Jorge
tinha como último nome Faria. Entre os dois Leal
e Amado. O romancista foi amado por uma legião de
admiradores que talvez nunca tenham tido sequer um livro
nas mãos; alguns, seguramente, analfabetos. Jorge
era Amado pelos seus próprios personagens e a eles
nunca deixou de ser Leal.
Jorge, nascido em 1912, na fazenda Auricídia,
no Sul da Bahia, tinha como último nome Faria. Entre
os dois, Leal e Amado. Jorge adoptou o Amado - e de facto
o era - e não apenas pelos que o liam. Jorge Amado
trata-se de um caso peculiar de autor que, além de
reconhecido pelo valor literário, era amado por uma
legião de admiradores que talvez nunca tenham tido
sequer um livro nas mãos; alguns, seguramente, analfabetos
"de pai e mãe", despossuídos de letras
e de quase tudo o mais, mas capazes de se reverem nos personagens
de Amado levados à pequena caixa da televisão
e às telas de cinema. Jorge era Amado pelos seus próprios
personagens e a eles nunca deixou de ser Leal.
Filho de João Amado de Faria - comerciante
do estado de Sergipe que se tornou fazendeiro no Sul da Bahia
- e de Eulália Leal Amado, Jorge Amado mostrou cedo
a tendência para a insurreição. Depois
de cumprir, de 1920 a 1926, a formação primária
em Ilhéus, foi transferido para o Colégio jesuíta
Santo António Vieira, em Salvador. Não aguentou.
Fugiu para Itaporanga, em Sergipe, onde se refugiou na casa
do avô.
Em 1928, Jorge Amado começou a frequentar
tertúlias literárias baianas e a escrever para
revistas, como "O Samba", "Meridiano"
e "A Semana". Mas foi só quando se transferiu
para o Rio de Janeiro que o romancista se revelou. Corria
o ano de 1930. O Brasil vivia tempos conturbados. O ditador
Getúlio Vargas assumira, pelas armas, o comando do
país quando, em 1931, no Rio, onde ingressara na Faculdade
de Direito, Jorge Amado publicou o seu primeiro romance -
"O País do Carnaval". Já ali aflorava
a preferência do escritor por heróis populares
e a preocupação com a injustiça social,
que, então, já marcava a sociedade brasileira
e, particularmente, a Bahia.
Deputado comunista
Comunistas, liderados pelo "Cavaleiro
da Esperança" (título de um romance de
Amado escrito em 1941), Luís Carlos Prestes, que, aliás,
viria a ser personagem, e fascistas, congregados na Acção
Integralista, liderada por Plínio Salgado, polarizavam
o quadro ideológico brasileiro naqueles anos 30.
Jorge Amado filiou-se ao Partido Comunista
Brasileiro e, em 1937, quando Getúlio Vargas instaurou
o Estado Novo (qualquer semelhança com a designação
do regime implantado por Salazar não é mera
coincidência), sofreu a primeira prisão. Nessa
altura já tinha publicado "Cacau" - cuja
primeira edição foi apreendida pela censura
- e "Jubiabá", que mereceu elogios do romancista
francês Albert Camus. Foi também em 1937 que
Jorge Amado publicou "Capitães de Areia",
o seu maior sucesso literário, leitura quase obrigatória
entre os estudantes brasileiros.
Em 1942, o romancista foi mais uma vez preso
por Getúlio, mas parece não ter guardado mágoas
do ditador. "Alegre, rindo com prazer. (...) Guardei
dele, pessoalmente, a imagem do homem inteligente e agradável",
disse o preso sobre quem o prendia. Foi igualmente em 1942
que Jorge Amado conheceu Zélia Gattai, sua companheira
até ao fim.
Em 1946, num breve intervalo democrático,
Jorge Amado foi eleito deputado à Assembleia Constituinte
pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dois anos depois
o PCB é ilegalizado, o mandato dos seus deputados é
cassado e Jorge Amado exilado. Vai primeiro para Paris, de
onde, pela sua militância política, é
expulso em 1950 - o desagravo francês viria 33 anos
depois, quando o escritor brasileiro recebe a Legião
de Honra, a mais alta condecoração da França.
Parte então para Praga. O contacto com o "socialismo
real" há-de ter contribuído para que o
vencedor do Prémio Estaline de Literatura, em Moscovo,
em 1951, se desligasse do PCB.
O último Carnaval
De volta ao Brasil desde 1952, Jorge Amado
escreve, nos anos seguintes, algumas das suas obras mais conhecidas:
"Gabriela Cravo e Canela" (1958), "A Morte
e a Morte de Quincas Berro d'Água" (1959) e "Dona
Flor e os Seus Dois Maridos"(1966). "Gabriela...",
primeiro romance de Jorge Amado adaptado para a televisão,
marcou, tanto no Brasil quanto em Portugal, o início
do processo de sedução da legião de iliteratos
pela obra de Jorge Amado. Mas a adaptabilidade da obra literária
do escritor baiano à teledramaturgia (fosse a TV ou
o cinema) ainda viria a gerar outros frutos. E nenhum filme
brasileiro conseguiu até hoje superar a marca de 12
milhões de espectadores, só no Brasil, alcançada
pela versão cinematográfica de "Dona Flor
e os Seus Dois Maridos".
A facilidade com que os livros de Jorge Amado
foram adaptados para a televisão não deve ser
atribuída apenas a qualidades intrínsecas da
obra, mas também à liberdade - rara entre autores
consagrados - que o autor dava aos que se apropriavam dos
seus romances. "Você não se meteu no meu
livro, eu também não vou me meter no seu filme",
disse o escritor ao realizador de "Tieta", Cacá
Diegues.
Em 1987, criou a Fundação Casa
de Jorge Amado, que, instalada no Pelourinho de São
Salvador da Bahia - cenário recorrente na obra do escritor
-, guarda a obra de Amado, mas, além disso, estimula
artistas em começo de carreira, publica a revista cultural
"Exu" e promove a literatura nas escolas baianas,
através dos projectos A Casa Vai à Escola e
A Escola Vai à Casa.
Desde 1993, quando teve o primeiro enfarte,
que Jorge Amado vinha sofrendo uma série de problemas
cardíacos - agravados pela sua condição
de diabético. Passou por uma angioplastia, em 1996,
e começou igualmente a dar sinais de grandes dificuldades
na visão. A sua inactividade foi também contribuindo
para uma forte depressão.
Em 1995, Jorge Amado recebeu o Prémio
Camões e, em 1998, aplaudiu a entrega do Nobel a José
Saramago - embora, por também escrever em português,
isso representasse o fim de qualquer esperança de ser
distinguido com a mais alta honraria da literatura mundial,
para a qual era nomeado desde 1961...
No Carnaval do ano passado, homenageado
pelo bloco carnavalesco Amigos do Amado Jorge, o escritor
assistiu ao desfile sob a vigilância do cardiologista
Jadelson Andrade, que, ante a notícia da recaída
do romancista, entrou no primeiro avião que o pudesse
levar dos Estados Unidos, onde estava, para a Bahia. Ontem
já não pôde salvar Amado Jorge. 

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