Um incansável militante
da literatura
Por Carlos Reis
Quarta-feira, 8 de Junho de 2001
Quando, em 1944, fiz parte, pela primeira
vez, do júri do Prémio Camões, o meu
voto foi para Jorge Amado. Mas votei vencido. Não foi
possível, nessa altura, convencer a parte brasileira
do júri da bondade de uma escolha tão evidente
como inevitável. No ano seguinte insisti no voto em
Jorge Amado; já com um júri quase totalmente
renovado, o autor de "Capitães da Areia"
venceu então por unanimidade.
O episódio, embora aparentemente menor,
diz muito do que foi e é, no Brasil e em Portugal,
o verso e o reverso da imagem deste grande escritor, agora
desaparecido. Durante mais de seis décadas de vida
literária, Jorge Amado foi, no Brasil, celebrado e
também contestado; já em Portugal, a sua imagem
passou por períodos de fulgor e por momentos de penumbra,
ao sabor de um gosto cultural em que a intervenção
da televisão teve papel determinante: foi nela e por
ela que muitos portugueses encontraram o espaço e o
tempo nordestinos que Amado cultiva melhor do que ninguém.
É difícil antecipar o que
a volúvel e imprevisível memória literária
do futuro virá a reter de Jorge Amado. Mas é
possível arriscar que de Jorge Amado ficará
a lembrança forte de um incansável militante
da literatura e, através dela, do povo que retrata
e do seu Nordeste a que deu dimensão transnacional
e mesmo universal. E ficará ainda, por certo, a recordação
de um grande contador de histórias, saídas,
muitas delas, de um imaginário brasileiro com sabor
a África, histórias em que a Língua Portuguesa
se tempera com o sabor do cravo e com o aroma da canela.
*ensaísta,
director da Biblioteca Nacional
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