Foi-se o homem, ficou a obra
Por José Saramago
Quarta-feira, 8 de Junho de 2001
Dadas as relações com Jorge Amado, sinto a dor
da perda de um grande amigo. Trata-se de uma perda para a
literatura brasileira e universal de um escritor traduzido
em todo o mundo (para cerca de 200 idiomas), o que mostra
a sua projecção mundial.
As frases mil vezes ditas têm a sua razão
de ser: ficámos mais pobres. Mas é um daqueles
casos em que uma pobreza está compensada por uma riqueza
- a obra que fica. Iremos assistir a um fenómeno, uma
espécie de curiosidade mórbida, que irá
mover as pessoas para uma releitura do Jorge Amado. Alguns
irão recordar a obra dele, outros irão conhecê-la.
Penso que o Governo brasileiro já terá decretado
o luto nacional.
O seu desaparecimento justifica isso, nomeadamente
acções concretas, para que os que usam a língua
portuguesa a valorizem como tal. Quando fui operário,
um dos requisitos era o bom estado das ferramentas: e se a
língua portuguesa é um instrumento dos escritores,
devemos respeitá-la. Trata-se de uma infelicidade colectiva,
apesar de a morte dele já estar anunciada há
quatro anos.
Foi-se o homem, ficou a obra.
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