ENTREVISTA
Sérgio Vieira de Mello

 

"A Língua Oficial Será Um dos Grandes Temas da Assembleia Constituinte"

Será a futura Assembleia Constituinte que vai decidir qual a língua oficial de Timor-Leste independente. Para já, e depois do congresso do extinto CNRT se ter manifestado favorável ao português como a língua do país, Portugal está a fazer um forte investimento no seu ensino. Não há, porém, indícios, especialmente nas camadas mais jovens, de que o português esteja a vingar. Sérgio Vieira de Mello diz que ainda é cedo para fazer essa avaliação. E afirma que os timorenses são gente com sorte, porque se podem transformar numa sociedade multilinguística.

Acha que o português vai vingar como língua oficial de Timor-Leste?

Essa é uma pergunta cruel. Eu, como brasileiro, não tenho uma opinião pessoal sobre o tema e não posso nem devo ter uma opinião sobre essa matéria. Tenho, isso sim, uma política de isenção, no sentido que nós, os estrangeiros em Timor, não temos de dar palpites sobre esse tema. Essa é uma decisão de importância histórica, fundamental para os timorenses e serão os timorenses que vão ter de tomar definitivamente essa decisão, depois de muito debate, na Assembleia Constituinte.

Não se vê, de há um ano a esta parte, que o português esteja a vingar como língua no país, apesar de o congresso do extinto CNRT ter decidido que essa seria a língua oficial e apesar do forte investimento, financeiro e em pessoas, que Portugal está a fazer em Timor-Leste para o ensino da língua.

Já ouvi opiniões diferentes, há quem diga que o português está a avançar. Eu acho que o investimento que Portugal fez foi bom, legítimo e justificado.

Costumo dizer que os timorenses têm sorte, no sentido de que dentro de alguns anos se podem transformar numa sociedade multilinguística. Poderiam falar quatro línguas aqui. Porque o facto de introduzir o português não significa excluir outras línguas. Todas elas têm a sua importância. Não se pode julgar a eficácia dessa política [do ensino do português] em poucos meses. Se o português for introduzido, e repito que essa será uma decisão que a Assembleia Constituinte terá de tomar, isso terá de ser feito gradualmente. Esse juízo, avaliar se o português está a vingar como língua, terá de ser feito daqui a cinco anos, quem sabe dez anos.

L.A

Timor: o nascimento de uma nação
Administrador da ONU promete nomear
um governo abrangente

Por Luciano Alvarez
Sexta-feira, 24 de Agosto de 2001

Entrevista a Sérgio Vieira de Mello

O administrador transitório da ONU em Timor-Leste, Sérgio Vieira de Mello, promete nomear um Governo abrangente, e até com personalidades que não integram as listas dos 16 partidos concorrentes às eleições do próximo dia 30. "Quando se quer incluir e não excluir, não se pode olhar apenas para a aritmética eleitoral", afirma, mostrando-se confiante num acto eleitoral pacífico. Dos nossos enviados Luciano Alvarez (texto) e Fernando Veludo (fotos), em Díli.

Sérgio Vieira de Mello não vai olhar apenas para os resultados eleitorais das eleições para a Assembleia Constituinte do próximo dia 30 quando formar o segundo Governo de transição de Timor-Leste. Em entrevista ao PÚBLICO, revela que pretende nomear para os diversos ministérios candidatos independentes, caso sejam eleitos, e também personalidades que não concorram às eleições mas que sejam reconhecidas pela sua competência. "Será um Governo de inclusão e não de exclusão", assegura, revelando não estar preocupado com as reacções dos partidos que obtenham maior número de votos.

O diplomata brasileiro que há mais de ano e meio governa Timor revela ainda as suas ideias sobre alguns dos passos que devem ser dados até à independência do território, que deverá acontecer em meados do próximo ano, e revela tranquilidade quanto à possibilidade de actos de violência. "Vamos com cinco semanas de campanha e quantos incidentes tivemos? Apenas três. Incidentes que podiam acontecer em qualquer campanha eleitoral, decorresse ela no seu país, no meu ou em qualquer outro", afirma, acrescentando que os timorenses revelam grande maturidade política.

No seu gabinete na sede da UNTAET, sentado em frente às centenas de tais (panos tradicionais) que os timorenses lhe vão oferecendo, Sérgio Vieira de Mello recebeu o PÚBLICO e mais dois jornalistas "freelance", um alemão e um canadiano, numa entrevista com tempo contado (cerca de 40 minutos) a dividir por cada um dos entrevistadores. É que os pedidos de entrevistas dos muitos jornalistas de todo o mundo que já se encontram em Timor-Leste para a cobertura das eleições são tantos que o diplomata brasileiro não tem outra forma de responder às solicitações. Antes tinha por lá passado uma dezena de jornalistas japoneses.

PÚBLICO - Que expectativas e preocupações tem em relação à eleição do próximo dia 30?
SÉRGIO VIEIRA DE MELLO - Começamos com as preocupações. Há não muitas semanas atrás falava-se na possibilidade de uma sangrenta batalha entre forças políticas timorenses. Era isto que alguns observadores estrangeiros, nomeadamente jornalistas, diziam temer. A própria população timorense dizia temer que as coisas ficassem fora de controlo. Em alguns distritos, os timorenses perguntavam-me mesmo: por quê organizar já as eleições? Por que não fica a ONU a governar mais uns tempos com o nosso apoio? As minhas preocupações já não passam pela violência, embora reconheça que algumas forças políticas - e não quero individualizar - possam, em algumas partes do país, tentar influenciar o voto dos timorenses de formas pouco democráticas, esquecendo que, tal como em 1999, o voto é secreto.

A UNTAET tem tido denúncias sobre a existência desses actos menos democráticos?
Estamos a investigar algumas alegações, mas não temos a certeza que todas sejam verdadeiras. Na minha opinião, quem tentar actos desses vai falhar. Não tenho neste momento grandes preocupações. Vamos com cinco semanas de campanha e quantos incidentes tivemos? Apenas três. Incidentes que podiam acontecer em qualquer campanha eleitoral, decorresse ela no seu país, no meu ou em qualquer outro. Coisas normais em qualquer democracia, e em menos número que em países com muitos anos de democracia. De qualquer maneira, eu, Xanana Gusmão e José Ramos-Horta vamos, nos próximos dias e até às eleições, percorrer alguns distritos para transmitir uma mensagem de confiança à população. Os timorenses já provaram a sua maturidade.

Alguns timorenses, talvez lembrando-se de 1999, dizem temer o que possa acontecer no dia da divulgação dos resultados.
Temos passado a vida a transferir as nossas preocupações de um acontecimento para o outro e a realidade sempre provou que estávamos enganados. Não vejo razão para que na divulgação dos resultados as coisas possam ser diferentes. Claro que continuamos a conversar com todos os líderes políticos para que passem a mensagem aos seus agentes de que, quando os resultados forem divulgados, têm de respeitar a decisão popular.

Xanana Gusmão tem surgido nos comícios de alguns partidos, nomeadamente do PSD, e esse facto motivou que a Fretilin lhe fizesse fortes críticas...
Xanana Gusmão é um cidadão livre e pode assistir aos comícios dos partidos que desejar. Esta é a minha opinião.

E que expectativas tem em relação à eleição?
Estas são as primeiras eleições democráticas de Timor, o que nos deixa a todos muito expectantes. O que é particularmente importante é que vai ser eleita a primeira Assembleia Constituinte que se transformará, antes da independência, na primeira Assembleia Legislativa.

Está já assegurado que a Assembleia Constituinte se transformará em legislativa sem novas eleições?
Claro que caberá à assembleia decidir como as coisas vão acontecer. O que eu digo é que está de alguma forma acordado que será assim, até para evitar organizar novas eleições dentro de seis meses.

Nesse caso, a assembleia eleita no próximo dia 30 irá até à independência. E a eleição presidencial? Terá lugar antes ou depois da independência? [De acordo com a maior parte dos líderes políticos timorenses e responsáveis da ONU, a independência deverá ser declarada dentro de um ano, provavelmente no dia 30 de Agosto de 2002.]
Na minha opinião, deverá ter lugar antes da independência.

Há alguns dias, mostrando um largo sorriso, disse aos jornalistas que nos primeiros dias de Setembro poderiam surgir algumas novidades importantes quanto a um candidato à presidência, ficando a ideia de que se referia a Xanana Gusmão. Que surpresas são?
Fui mal interpretado. Eu estava a responder a uma resposta sobre se Xanana se deveria candidatar ou não, mas não me referia a isso quando disse "esperem até Setembro e terão boas surpresas". Referia-me à estrutura do Governo e à composição do segundo Governo de transição.

O novo gabinete será já muito parecido com o que será a estrutura do primeiro Governo independente. Um Governo representado pelos dois ou três partidos com maior número de votos, mais candidatos independentes, caso eles sejam eleitos, e personalidades independentes que não concorram às eleições mas que sejam reconhecidas pela competência. A minha esperança é que esse Governo possa continuar depois da independência, de forma a que o período de sete ou oito meses até à independência possa ser uma espécie de treino para o dia em que vão ter todo o poder nas suas mãos.

É a si, como administrador transitório da ONU, que lhe compete nomear o Governo. Não teme, porém, que ao colocar nesse Executivo pessoas fora dos partidos que concorrem às eleições e que tiveram o maior número de votos possa desagradar a esses mesmos partidos?
Não, até porque já discutimos isso com os partidos. A maioria dos partidos assinou o pacto de unidade nacional, comprometendo-se com uma política de inclusão e não de exclusão. Quando se quer incluir e não excluir, não se pode olhar apenas para a matemática ou a aritmética eleitoral. Por isso, aqueles que ganharem vão estar abertos a inclusão no Governo de independentes ou até de pessoas que não forem eleitas. Não estou preocupado porque o princípio já está estabelecido.

 

 

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