Timor: o nascimento de uma nação
Administrador da ONU promete
nomear
um governo abrangente
Por Luciano Alvarez
Sexta-feira, 24 de Agosto de 2001
Entrevista a Sérgio Vieira de Mello
O administrador transitório
da ONU em Timor-Leste, Sérgio Vieira de Mello, promete
nomear um Governo abrangente, e até com personalidades
que não integram as listas dos 16 partidos concorrentes
às eleições do próximo dia 30.
"Quando se quer incluir e não excluir, não
se pode olhar apenas para a aritmética eleitoral",
afirma, mostrando-se confiante num acto eleitoral pacífico.
Dos nossos enviados Luciano Alvarez (texto) e Fernando Veludo
(fotos), em Díli.
Sérgio Vieira de Mello não vai
olhar apenas para os resultados eleitorais das eleições
para a Assembleia Constituinte do próximo dia 30 quando
formar o segundo Governo de transição de Timor-Leste.
Em entrevista ao PÚBLICO, revela que pretende nomear
para os diversos ministérios candidatos independentes,
caso sejam eleitos, e também personalidades que não
concorram às eleições mas que sejam reconhecidas
pela sua competência. "Será um Governo de
inclusão e não de exclusão", assegura,
revelando não estar preocupado com as reacções
dos partidos que obtenham maior número de votos.
O diplomata brasileiro que há mais de
ano e meio governa Timor revela ainda as suas ideias sobre
alguns dos passos que devem ser dados até à
independência do território, que deverá
acontecer em meados do próximo ano, e revela tranquilidade
quanto à possibilidade de actos de violência.
"Vamos com cinco semanas de campanha e quantos incidentes
tivemos? Apenas três. Incidentes que podiam acontecer
em qualquer campanha eleitoral, decorresse ela no seu país,
no meu ou em qualquer outro", afirma, acrescentando que
os timorenses revelam grande maturidade política.
No seu gabinete na sede da UNTAET, sentado
em frente às centenas de tais (panos tradicionais)
que os timorenses lhe vão oferecendo, Sérgio
Vieira de Mello recebeu o PÚBLICO e mais dois jornalistas
"freelance", um alemão e um canadiano, numa
entrevista com tempo contado (cerca de 40 minutos) a dividir
por cada um dos entrevistadores. É que os pedidos de
entrevistas dos muitos jornalistas de todo o mundo que já
se encontram em Timor-Leste para a cobertura das eleições
são tantos que o diplomata brasileiro não tem
outra forma de responder às solicitações.
Antes tinha por lá passado uma dezena de jornalistas
japoneses.
PÚBLICO - Que expectativas e
preocupações tem em relação à
eleição do próximo dia 30?
SÉRGIO VIEIRA DE MELLO - Começamos com
as preocupações. Há não muitas
semanas atrás falava-se na possibilidade de uma sangrenta
batalha entre forças políticas timorenses. Era
isto que alguns observadores estrangeiros, nomeadamente jornalistas,
diziam temer. A própria população timorense
dizia temer que as coisas ficassem fora de controlo. Em alguns
distritos, os timorenses perguntavam-me mesmo: por quê
organizar já as eleições? Por que não
fica a ONU a governar mais uns tempos com o nosso apoio? As
minhas preocupações já não passam
pela violência, embora reconheça que algumas
forças políticas - e não quero individualizar
- possam, em algumas partes do país, tentar influenciar
o voto dos timorenses de formas pouco democráticas,
esquecendo que, tal como em 1999, o voto é secreto.
A UNTAET tem tido denúncias sobre
a existência desses actos menos democráticos?
Estamos a investigar algumas alegações,
mas não temos a certeza que todas sejam verdadeiras.
Na minha opinião, quem tentar actos desses vai falhar.
Não tenho neste momento grandes preocupações.
Vamos com cinco semanas de campanha e quantos incidentes tivemos?
Apenas três. Incidentes que podiam acontecer em qualquer
campanha eleitoral, decorresse ela no seu país, no
meu ou em qualquer outro. Coisas normais em qualquer democracia,
e em menos número que em países com muitos anos
de democracia. De qualquer maneira, eu, Xanana Gusmão
e José Ramos-Horta vamos, nos próximos dias
e até às eleições, percorrer alguns
distritos para transmitir uma mensagem de confiança
à população. Os timorenses já
provaram a sua maturidade.
Alguns timorenses, talvez lembrando-se de
1999, dizem temer o que possa acontecer no dia da divulgação
dos resultados.
Temos passado a vida a transferir as nossas preocupações
de um acontecimento para o outro e a realidade sempre provou
que estávamos enganados. Não vejo razão
para que na divulgação dos resultados as coisas
possam ser diferentes. Claro que continuamos a conversar com
todos os líderes políticos para que passem a
mensagem aos seus agentes de que, quando os resultados forem
divulgados, têm de respeitar a decisão popular.
Xanana Gusmão tem surgido nos comícios
de alguns partidos, nomeadamente do PSD, e esse facto motivou
que a Fretilin lhe fizesse fortes críticas...
Xanana Gusmão é um cidadão livre
e pode assistir aos comícios dos partidos que desejar.
Esta é a minha opinião.
E que expectativas tem em relação
à eleição?
Estas são as primeiras eleições democráticas
de Timor, o que nos deixa a todos muito expectantes. O que
é particularmente importante é que vai ser eleita
a primeira Assembleia Constituinte que se transformará,
antes da independência, na primeira Assembleia Legislativa.
Está já assegurado que a Assembleia
Constituinte se transformará em legislativa sem novas
eleições?
Claro que caberá à assembleia decidir como
as coisas vão acontecer. O que eu digo é que
está de alguma forma acordado que será assim,
até para evitar organizar novas eleições
dentro de seis meses.
Nesse caso, a assembleia eleita no próximo
dia 30 irá até à independência.
E a eleição presidencial? Terá lugar
antes ou depois da independência? [De acordo com a maior
parte dos líderes políticos timorenses e responsáveis
da ONU, a independência deverá ser declarada
dentro de um ano, provavelmente no dia 30 de Agosto de 2002.]
Na minha opinião, deverá ter lugar antes
da independência.
Há alguns dias, mostrando um largo
sorriso, disse aos jornalistas que nos primeiros dias de Setembro
poderiam surgir algumas novidades importantes quanto a um
candidato à presidência, ficando a ideia de que
se referia a Xanana Gusmão. Que surpresas são?
Fui mal interpretado. Eu estava a responder a uma resposta
sobre se Xanana se deveria candidatar ou não, mas não
me referia a isso quando disse "esperem até Setembro
e terão boas surpresas". Referia-me à estrutura
do Governo e à composição do segundo
Governo de transição.
O novo gabinete será já muito
parecido com o que será a estrutura do primeiro Governo
independente. Um Governo representado pelos dois ou três
partidos com maior número de votos, mais candidatos
independentes, caso eles sejam eleitos, e personalidades independentes
que não concorram às eleições
mas que sejam reconhecidas pela competência. A minha
esperança é que esse Governo possa continuar
depois da independência, de forma a que o período
de sete ou oito meses até à independência
possa ser uma espécie de treino para o dia em que vão
ter todo o poder nas suas mãos.
É a si, como administrador transitório
da ONU, que lhe compete nomear o Governo. Não teme,
porém, que ao colocar nesse Executivo pessoas fora
dos partidos que concorrem às eleições
e que tiveram o maior número de votos possa desagradar
a esses mesmos partidos?
Não, até porque já
discutimos isso com os partidos. A maioria dos partidos assinou
o pacto de unidade nacional, comprometendo-se com uma política
de inclusão e não de exclusão. Quando
se quer incluir e não excluir, não se pode olhar
apenas para a matemática ou a aritmética eleitoral.
Por isso, aqueles que ganharem vão estar abertos a
inclusão no Governo de independentes ou até
de pessoas que não forem eleitas. Não estou
preocupado porque o princípio já está
estabelecido.
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