ENTREVISTA
José-Ramos Horta

"A Fretilin vai ganhar com uma maioria clara"
Por Luciano Alvarez
Terça-feira, 28 de Agosto de 2001

Entrevista com Ramos-Horta

O independente Ramos-Horta não tem dúvidas: "A Fretilin vai ganhar com uma maioria clara." O prémio Nobel da Paz, embora não defenda uma maioria esmagadora, pensa que o melhor nesta fase da democracia timorense é que o partido vencedor consiga uma maioria confortável. Diz que Xanana Gusmão vai ganhar a eleição presidencial com 100 por cento dos votos, e está disponível para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros até à independência. Depois, espera que o libertem da acção governativa para, entre outras coisas, concluir um livro que está a escrever para a maior editora norte-americana.

José Ramos-Horta, responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros na administração da ONU em Timor-Leste, teve na campanha eleitoral que hoje termina um papel de mediador entre os partidos, com destaque para a moderação das três sessões multipartidárias. O prémio Nobel da Paz percorreu ainda quase todo o território em sessões de esclarecimento às populações, cumprindo assim o seu papel de independente.

Numa entrevista concedida dois dias antes do final da campanha eleitoral, Ramos-Horta diz não ter dúvidas de que a Fretilin vai ganhar as eleições com uma maioria clara e enaltece o comportamento dos partidos e da população numa campanha que afirma ter sido igual à de qualquer outro país democrático, ou mesmo melhor. Fala também do seu futuro político no país, esperando que o libertem de cargos de governação após a independência.

PÚBLICO - Que balanço faz da campanha eleitoral?
Ramos-Horta - Francamente positiva. De uma maneira geral, os partidos comportaram-se com uma grande civilidade, mas uma civilidade ainda maior foi mostrada pela população, que, apesar de algumas demagogias e da troca de frases menos amigáveis entre alguns partidos, não se deixou arrastar para esse género de debate pouco cívico. Foi uma campanha totalmente pacífica, igual às verificadas em qualquer país democrático do mundo, ou melhor.

P. - Pensa que a maior parte da população está informada sobre os partidos e, principalmente, os seus programas e ideias?
R. - Penso que a população vai votar consciente do que quer. Em relação a alguns partidos, a escolha do povo já está feita há muito tempo. Como por exemplo a Fretilin, que o povo já conhece há muito tempo, o PSD, que o povo começa a conhecer, a UDT, que também é conhecida, o PD, que começa a ser bastante conhecido. Penso que a população não irá tanto pelos programas de cada partido, pelos detalhes, mas mais pela confiança que os líderes desses partidos inspiram, ou não, para manter a paz e a democracia. Nesta fase, o povo não se vai preocupar muito com os detalhes que cada um apresenta para a governação, mas sim com as garantias para a paz, mais ou menos, que cada um dá.

P. - A Fretilin já disse várias vezes que espera ter 85 por cento dos votos. Acredita que um partido possa ter uma maioria desta ordem?
R. - Acho que 85 por cento é um pouco optimista, mas, de qualquer maneira, acredito que a Fretilin vai ganhar com uma maioria clara. 85 por cento não creio, até porque há outros partidos, como o PSD e o PD, que estão a conseguir avanços significativos e claros no terreno.

P. - Uma maioria muito elevada de um partido numa democracia tão jovem e inexperiente não lhe causa preocupações?
R. - Se nós pedimos um voto democrático, ou seja, um homem um voto, temos de aceitar qualquer resultado. Desde que não haja fraude e intimidação, mesmo que seja 99 por cento, temos de aceitar. De qualquer forma, eu também prefiro que o partido que ganhar tenha uma maioria confortável. Não uma maioria esmagadora, mas confortável. A verdade é esta, mesmo em países como Portugal, Itália, outros de tradição anglo-saxónica, ou em países em vias de desenvolvimento, um partido minoritário que seja obrigado a formar Governo de coligação cria uma situação instável. Principalmente nesta fase da nossa reconstrução e desenvolvimento, prefiro um partido que ganhe por uma maioria clara.

P. - Que papel é que quer para si, após estas eleições para a Constituinte?
R. - Todos me pedem que eu fique na pasta dos Negócios Estrangeiros até ao dia da independência e é aí que eu vou ficar. Depois da independência, vou continuar em Timor-Leste, este povo merece toda a minha ajuda, mas não sei se quero continuar na governação. Logo se verá.

P. - E poderá ficar com que papel? Se não fica no Governo e, tendo em conta que o candidato que todos queriam, Xanana Gusmão, já avançou para a presidência...
R. - O candidato que todos queriam, o melhor candidato, e que vai ganhar com 100 por cento dos votos.

P. - Xanana Gusmão, que anunciou a sua candidatura de forma pouco entusiasmada.
R. - Eu já sabia há muito tempo, sempre tive a certeza, que Xanana ia ser candidato, fiz-lhe um apelo a que anunciasse agora [a candidatura] porque era importante. Este é o factor importante que faltava para tranquilizar o nosso povo e os partidos neste momento decisivo da nossa democracia.

P. - Mas não achou que Xanana se mostrou pouco entusiasmado? Disse até que não se sente preparado e que o seu sonho era ir plantar abóboras e criar animais.
R. - Não. Tenho a certeza que Xanana está muito entusiasmado e vai contar com todos nós para o que quiser.

P. - E que papel fica reservado para si?
R. - Não espero nada para mim. Tenho muitos compromissos, alguns até mais aliciantes que ficar no Governo, embora o povo de Timor-Leste saiba que pode contar sempre comigo.

P. - Que compromissos mais aliciantes são esses?
R. - Por exemplo, cumprir o contrato que fiz com a maior editora norte-americana de escrever um livro, que eu já comecei nas horas vagas. Gostava de treinar e encorajar outros jovens para a prática política. Estou a montar um centro de reconciliação, que não respeite apenas a Timor, mas de nível regional. Estou a trabalhar com vários prémios Nobel na mediação de conflitos aqui na região. Já fui à Colômbia negociar a libertação de reféns. Já fui solicitado para ir negociar a libertação de reféns nas Filipinas, mas não pude ir. Tenho muito que fazer, embora nunca vire as costas ao meu povo.

 

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