ENTREVISTA
Mari Alkatiri
 
 
 
 

Perfil
A incógnita Alkatiri


De ascendência iemenita mas nascido em Timor-Leste, há 51 anos, três filhos, Mari Alkatiri é formado em Direito. Um dos fundadores da Fretilin, em 1974, encontrava-se no exterior na data da invasão, juntamente com outros dirigentes, como José Ramos-Horta e Abílio Araújo. No regresso a Timor, integrou o Governo de Transição em cuja representação dirigiu as duras negociações sobre o Timor-Gap, com a Austrália. Aos que lhe lembraram os mais de 20 anos de exílio num Moçambique inicialmente socialista, respondeu que a experiência lhe pode ter servido para aprender erros a evitar.

Adelino Gomes

 

"Não há ruptura entre Xanana e a Fretilin"
Por Luciano Alvarez, em Díli
Sexta-feira, 07 de Setembro de 2001

Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin e seu grande estratega, será o futuro chefe do segundo Governo de transição que o administrador transitório da ONU nomeará brevemente, embora diga que esse cargo depende ainda de uma indigitação do comité central do seu partido. Numa entrevista ao PÚBLICO, Alkatiri revela os pontos que a Fretilin não prescinde de incluir na Constituição, como o sistema político semipresidencialista, fala já do futuro governo e das relações de Xanana com a Fretilin. Assegura que a Fretilin não indicará o líder histórico como seu candidato, mas que o apoiará se ele avançar como independente.

PÚBLICO - Já se sente primeiro-ministro do futuro Governo de transição de Timor?
MARI ALKATIRI - Isso é o partido que vai decidir. Vamos reunir o comité central rapidamente e desse encontro sairá o nome que vamos indicar a Sérgio Vieira de Mello para a liderança do Governo.

P. - Teve já hoje [ontem] uma reunião com Sérgio Vieira de Mello. A questão da liderança do Governo não foi discutida?
R. - Foi, claro que foi, mas agora o comité central é que vai indicar ao administrador da ONU o nome de quem chefiará o Executivo.

P. - Não há dúvidas, mesmo na Fretilin, que esse cargo será ocupado por si.
R. - Vamos ver.

P. - E em relação à formação do Governo, já há algum acordo com Sérgio Vieira de Mello? Havia uma diferença de opiniões entre si o administrador da ONU. Antes das eleições, Vieira de Mello falou em Governo de unidade nacional, a Fretilin disse que não, que preferia um Governo de inclusão.
R. - Eu e Sérgio Vieira de Mello conversámos muito, quase sempre com entendimento. Quanto ao Governo, continuamos a falar em governo de inclusão. Ou seja, um governo que obviamente terá uma grande participação da Fretilin, porque o povo já disse o que queria, mas também outras pessoas competentes. Mas, mais uma vez, o comité central é que indicará os nomes.

P. - A Fretilin disse ter a certeza na campanha eleitoral de que iria chegar aos 85 por cento dos votos...
R. - Isso foi uma estratégia da campanha e a campanha já lá vai. Alguém pode ter dúvidas da vitória da Fretilin? Da escolha do povo?

P. - Mesmo sendo estratégia de campanha e mesmo com uma vitória clara, não atingiram os dois terços dos deputados que pretendiam.
R. - A Fretilin ganhou em 12 distritos a nível nacional, elegeu todos os candidatos distritais, teve mais de 57 por cento dos votos. Isto não é uma grande vitória? Se fosse num país como a Inglaterra, com o sistema político da Inglaterra, a Fretilin tinha tido uma vitória de 100 por cento.

P. - O que é que a Fretilin não prescinde de incluir na futura constituição de Timor-Leste?
R. - O sistema político.

P. - Que o partido quer semipresidencial?
R. - Sem dúvida nenhuma.

P. - E como será esse semipresidencialismo? P. - Quem manda no Governo e na política do país é o Governo, e o Presidente não se mete nessa questão. Terá os seus poderes, como em outros países democráticos, mas quem governa o país é o Governo eleito. P. - E prescindem da data de 28 de Novembro de 1975 como a da única e válida declaração de independência de Timor-Leste? [A Fretilin defende que no dia em que o país for declarado independente se faça uma restauração da data em que o partido declarou a independência e não uma nova declaração.]
R. - Não. Nunca. O dia 28 de Novembro de 1975 ficará na Constituição como o dia da independência de Timor-Leste.

P. - E a futura bandeira nacional será a içada também a 28 de Novembro de 1975?
R. - Também não prescindimos dela. Tudo isso fez parte da nossa campanha eleitoral e agora não vamos enganar o povo. A Fretilin cumpre sempre as suas promessas.

P. - A língua oficial será o português?
R. - Essa questão terá ainda de ser vista. A Fretilin sempre defendeu o português, mas eu acho que não se pode dizer já que o português é a língua oficial, até porque há muitas pessoas no parlamento e provavelmente também no Governo que não falam a língua. Vamos ver com o tempo. Vamos ver se daqui a uns anos toda a gente, a começar nas nossas crianças, fala o português. Para que isso aconteça é necessário que os países que falam a língua invistam no seu ensino.

P. - Para aprovar a Constituição necessitam de uma maioria de dois terços, que não conseguiram.
R. - Sempre dissemos que queríamos uma Constituição de consenso, por isso vamos falar com toda a gente.

P. - Pode não ser necessário falar com toda a gente, porque a ASDT já garantiu que apoiará sempre a Fretilin na futura Assembleia Constituinte.
R. - Recebemos essa informação com agrado, mas vamos falar sempre com toda a gente.

P. - Nos últimos tempos tem sido notória a ruptura entre Xanana e a Fretilin. A que se deve isso?
R. - Não há ruptura nenhuma. Há, naturalmente, pontos que precisam de ser clarificados. Por exemplo, queremos saber que objectivo tinha Xanana quando deu o seu apoio claro ao PD e ao PSD e outras coisas, mas não há ruptura.

P. - Há pelo menos um afastamento desde o congresso do CNRT do ano passado...
R. - Não, após o congresso a Fretilin abandonou o CNRT e pronto. Mas não há ruptura com Xanana. Por exemplo, estive sempre a negociar o [acordo sobre a exploração do petróleo do] Timor Gap e tive dezenas de reuniões com Xanana.

P. - Mantém, portanto, o apoio à candidatura presidencial de Xanana Gusmão?
R. - Se Xanana Gusmão avançar como independente, ou seja, se não for o candidato deste ou daquele partido, sim. Xanana não será indicado como candidato da Fretilin, mas se avançar como independente terá o nosso apoio.

P. - E se entretanto Xanana se for revelando contrário a algumas ideias que a Fretilin? Por exemplo, a questão do sistema político.
R. - Garanto que ele não fará isso, porque ele, melhor que ninguém, sabe ler os resultados destas eleições. Xanana está completamente aberto a colaborar e a contribuir para a consolidação da paz e estabilidade . É isso que ele deve fazer e ele sabe bem qual é o seu papel. Entre a Fretilin e Xanana a tendência, daqui para a frente, é mais para convergir que divergir.

P. - Alguns observadores internacionais manifestaram-se ao longo da campanha preocupados de que um partido pudesse ter uma larga maioria e que isso pudesse ser prejudicial para o multipartidarismo em Timor...
R. - Que ninguém fique preocupado, porque não há maior defensor do multipartidarismo e da democracia que a Fretilin. Já o disse várias vezes: se por alguma razão os outros partidos acabarem, a Fretilin divide-se em duas ou três para garantir o multipartidarismo e a democracia.




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