"Não há
ruptura entre Xanana e a Fretilin"
Por Luciano Alvarez,
em Díli
Sexta-feira, 07 de Setembro de 2001
Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin
e seu grande estratega, será o futuro chefe do segundo
Governo de transição que o administrador transitório
da ONU nomeará brevemente, embora diga que esse cargo
depende ainda de uma indigitação do comité
central do seu partido. Numa entrevista ao PÚBLICO,
Alkatiri revela os pontos que a Fretilin não prescinde
de incluir na Constituição, como o sistema político
semipresidencialista, fala já do futuro governo e das
relações de Xanana com a Fretilin. Assegura
que a Fretilin não indicará o líder histórico
como seu candidato, mas que o apoiará se ele avançar
como independente.
PÚBLICO - Já se sente
primeiro-ministro do futuro Governo de transição
de Timor?
MARI ALKATIRI - Isso é o partido que vai decidir.
Vamos reunir o comité central rapidamente e desse encontro
sairá o nome que vamos indicar a Sérgio Vieira
de Mello para a liderança do Governo.
P. - Teve já hoje [ontem] uma
reunião com Sérgio Vieira de Mello. A questão
da liderança do Governo não foi discutida?
R. - Foi, claro que foi, mas agora o comité
central é que vai indicar ao administrador da ONU o
nome de quem chefiará o Executivo.
P. - Não há dúvidas,
mesmo na Fretilin, que esse cargo será ocupado por
si.
R. - Vamos ver.
P. - E em relação à
formação do Governo, já há algum
acordo com Sérgio Vieira de Mello? Havia uma diferença
de opiniões entre si o administrador da ONU. Antes
das eleições, Vieira de Mello falou em Governo
de unidade nacional, a Fretilin disse que não, que
preferia um Governo de inclusão.
R. - Eu e Sérgio Vieira de Mello conversámos
muito, quase sempre com entendimento. Quanto ao Governo, continuamos
a falar em governo de inclusão. Ou seja, um governo
que obviamente terá uma grande participação
da Fretilin, porque o povo já disse o que queria, mas
também outras pessoas competentes. Mas, mais uma vez,
o comité central é que indicará os nomes.
P. - A Fretilin disse ter a certeza
na campanha eleitoral de que iria chegar aos 85 por cento
dos votos...
R. - Isso foi uma estratégia da campanha e a
campanha já lá vai. Alguém pode ter dúvidas
da vitória da Fretilin? Da escolha do povo?
P. - Mesmo sendo estratégia de
campanha e mesmo com uma vitória clara, não
atingiram os dois terços dos deputados que pretendiam.
R. - A Fretilin ganhou em 12 distritos a nível
nacional, elegeu todos os candidatos distritais, teve mais
de 57 por cento dos votos. Isto não é uma grande
vitória? Se fosse num país como a Inglaterra,
com o sistema político da Inglaterra, a Fretilin tinha
tido uma vitória de 100 por cento.
P. - O que é que a Fretilin não
prescinde de incluir na futura constituição
de Timor-Leste?
R. - O sistema político.
P. - Que o partido quer semipresidencial?
R. - Sem dúvida nenhuma.
P. - E como será esse semipresidencialismo?
P. - Quem manda no Governo e na política do país
é o Governo, e o Presidente não se mete nessa
questão. Terá os seus poderes, como em outros
países democráticos, mas quem governa o país
é o Governo eleito. P. - E prescindem da data de 28
de Novembro de 1975 como a da única e válida
declaração de independência de Timor-Leste?
[A Fretilin defende que no dia em que o país for declarado
independente se faça uma restauração
da data em que o partido declarou a independência e
não uma nova declaração.]
R. - Não. Nunca. O dia 28 de Novembro de 1975
ficará na Constituição como o dia da
independência de Timor-Leste.
P. - E a futura bandeira nacional será
a içada também a 28 de Novembro de 1975?
R. - Também não prescindimos dela. Tudo
isso fez parte da nossa campanha eleitoral e agora não
vamos enganar o povo. A Fretilin cumpre sempre as suas promessas.
P. - A língua oficial será
o português?
R. - Essa questão terá ainda de ser vista.
A Fretilin sempre defendeu o português, mas eu acho
que não se pode dizer já que o português
é a língua oficial, até porque há
muitas pessoas no parlamento e provavelmente também
no Governo que não falam a língua. Vamos ver
com o tempo. Vamos ver se daqui a uns anos toda a gente, a
começar nas nossas crianças, fala o português.
Para que isso aconteça é necessário que
os países que falam a língua invistam no seu
ensino.
P. - Para aprovar a Constituição
necessitam de uma maioria de dois terços, que não
conseguiram.
R. - Sempre dissemos que queríamos uma Constituição
de consenso, por isso vamos falar com toda a gente.
P. - Pode não ser necessário
falar com toda a gente, porque a ASDT já garantiu que
apoiará sempre a Fretilin na futura Assembleia Constituinte.
R. - Recebemos essa informação com agrado,
mas vamos falar sempre com toda a gente.
P. - Nos últimos tempos tem sido
notória a ruptura entre Xanana e a Fretilin. A que
se deve isso?
R. - Não há ruptura nenhuma. Há,
naturalmente, pontos que precisam de ser clarificados. Por
exemplo, queremos saber que objectivo tinha Xanana quando
deu o seu apoio claro ao PD e ao PSD e outras coisas, mas
não há ruptura.
P. - Há pelo menos um afastamento
desde o congresso do CNRT do ano passado...
R. - Não, após o congresso a Fretilin
abandonou o CNRT e pronto. Mas não há ruptura
com Xanana. Por exemplo, estive sempre a negociar o [acordo
sobre a exploração do petróleo do] Timor
Gap e tive dezenas de reuniões com Xanana.
P. - Mantém, portanto, o apoio
à candidatura presidencial de Xanana Gusmão?
R. - Se Xanana Gusmão avançar como independente,
ou seja, se não for o candidato deste ou daquele partido,
sim. Xanana não será indicado como candidato
da Fretilin, mas se avançar como independente terá
o nosso apoio.
P. - E se entretanto Xanana se for revelando
contrário a algumas ideias que a Fretilin? Por exemplo,
a questão do sistema político.
R. - Garanto que ele não fará isso, porque
ele, melhor que ninguém, sabe ler os resultados destas
eleições. Xanana está completamente aberto
a colaborar e a contribuir para a consolidação
da paz e estabilidade . É isso que ele deve fazer e
ele sabe bem qual é o seu papel. Entre a Fretilin e
Xanana a tendência, daqui para a frente, é mais
para convergir que divergir.
P. - Alguns observadores internacionais
manifestaram-se ao longo da campanha preocupados de que um
partido pudesse ter uma larga maioria e que isso pudesse ser
prejudicial para o multipartidarismo em Timor...
R. - Que ninguém fique preocupado, porque não
há maior defensor do multipartidarismo e da democracia
que a Fretilin. Já o disse várias vezes: se
por alguma razão os outros partidos acabarem, a Fretilin
divide-se em duas ou três para garantir o multipartidarismo
e a democracia.
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