Timorenses seguem impacientes
e emocionados
divulgação dos resultados eleitorais
Quarta-feira, 05 de Setembro de 2001
Emoção, excitação
e alegria. Três palavras que definem bem a forma como
os timorenses estão a acompanhar a divulgação
dos resultados das suas primeiras eleições livres.
Em Díli, todos seguem avidamente as notícias
sobre as eleições para a Assembleia Constituinte
- cujos resultados totais poderão ser conhecidos já
amanhã.
"Senhor, como estão as eleições
hoje?" A pergunta rápida, suplicando uma resposta,
acompanhada por um sorriso simpático e ao mesmo tempo
impaciente, desarma por completo o jornalista que corre para
o computador com a notícia já na ponta dos dedos.
É impossível não dar as
últimas das eleições àquele homem,
recepcionista de hotel, que não consegue esperar que
a rádio ou a televisão da UNTAET lhe contem
daqui a uma hora, ou talvez duas, o que se soube há
cinco minutos. Cândido Gusmão esperou pacientemente
24 anos por este momento; por estes dias de democracia que
até há dois anos não passavam de um sonho
em Timor-Leste. Agora não consegue esperar nem que
seja uma hora para saber as últimas. Os timorenses
estão a acompanhar tranquilamente as suas primeiras
eleições em liberdade, realizadas no dia 30,
mas com muita emoção e uma impaciência
que não escondem. Uma emoção partilhada
por aqueles que lhes fazem chegar as notícias.
Ontem em Díli, os miúdos que
vendem os dois jornais diários de Timor-Leste ficaram
aliviados da carga mais cedo. Ao contrário do que é
habitual, pelas 10 horas a maioria dos matutinos que traziam
os primeiros resultados das eleições já
se tinham esgotado. Estavam quase todos desde muito cedo nas
mãos de povo, de gente ávida de saber as últimas.
Num dos novos mercados da cidade, junto à
estrada que liga a capital ao aeroporto, um grupo de sete
timorenses rodeava o homem que se tinha disposto a pagar meio
dólar americano (0,55 euros) pelo "Suara Timor
Lorosae" ("A Voz da Terra do Sol Nascente")
dessa manhã. "Fretilin, Fretilin", gritaram
assim que viram o interesse do "malai" (estrangeiro)
pelas eleições. Nenhum deles falava português.
"Fretilin, Fretilin", repetiam, galhofando, enquanto
tentavam explicar quem estava à frente na contagem
de votos.
Lembrança de uma
coincidência
Manuel Soares, um sexagenário que, percebendo a impossibilidade
do diálogo, se juntara discretamente ao grupo, oferece
de pronto o seu português fluente para ajudar. Explica
que por ali, no mercado da estrada de Comoro, "quase
todos são da Fretilin" e que, como tal, "o
povo hoje está alegre". Quando o jornalista já
se preparava para deixar o grupo, o senhor Soares, envergonhado,
avança com uma pergunta. "O senhor quer saber
uma coisa muito interessante?" Perante o "sim",
solta um largo sorriso e responde com outra pergunta: "O
senhor sabe que em 1999, neste mesmo dia, também se
soube os resultados da consulta popular?"
O senhor Soares recordava uma data e uma coincidência,
que, de facto, estava a passar ao lado da memória do
jornalista. O senhor Soares, claro, nunca vai esquecer aquele
4 de Setembro de 1999. Na véspera, conta, "tinha
subido para as matas de Dare". Foi lá em cima,
na montanha que se avista de Díli, que ele e muitos
milhares ficaram a saber do forte "não" à
Indonésia. Sem festejar, em silêncio, que o ruído
poderia atrair o inimigo que nessa tarde já queimava
e saqueava a cidade quase deserta de gente.
Memórias de dias e de uma cidade hoje
muito diferente. Uma cidade com vida, agitada, em reconstrução
(ainda que lenta), cheia de estrangeiros e com um processo
eleitoral livre e democrático em curso.
Na redacção da Rádio UNTAET,
a única com cobertura nacional, vivem-se dias ainda
mais agitados que nas ruas e mercados da capital. "Temos
de ir a tudo, não podemos falhar nada", diz o
jornalista timorense José Filipe, ex-colaborador da
RDP e RTP e que hoje se dedica em exclusividade às
suas funções de editor de informação
da rádio montada e gerida pelas Nações
Unidas e que, após a independência, se transformará
na Rádio Nacional de Timor-Leste.
A rádio emite em quatro línguas
(tétum, indonésio, português e inglês),
mas, nos últimos dias, os espaços informativos
de três das línguas têm sido mais ou menos
esquecidos pelos jornalistas. "Agora é quase tudo
em tétum. Somos o único órgão
de informação que chega a todos os timorenses,
mesmo aos refugiados que ainda estão em Timor Ocidental,
e por isso a nossa responsabilidade é muito grande",
conta José Filipe, que hoje, além da edição
noticiosa, é um dos principais dinamizadores da criação
do Sindicato dos Jornalistas de Timor-Leste.
"Já temos vários órgãos
de comunicação social, mais de 50 jornalistas,
só falta o sindicato para, principalmente, escrever
a carta deontológica que vai orientar os nossos profissionais.
Até para evitar alguns erros de principiantes que temos
cometido", explica.
A Rua da Liberdade de Imprensa
Francisca Gonçalves é uma das jovens jornalistas
timorenses ao serviço da TV UNTAET, estação
que está, pela primeira vez na sua história
de menos de um ano, a fazer directos. Uma complicação
para quem trabalha com material totalmente amador, que a boa
vontade e o empenho dos jornalistas atenua. "Nestes dias
até me custa dormir, sonho com as notícias e
as eleições", conta excitada a jornalista,
depois de entrevistar um dos candidatos independentes à
Assembleia Constituinte.
A TV UNTAET só emite em Díli,
mas todos os dias seguem cassetes com gravações
dos noticiários para todo o território. Em alguns
casos, as gravações, que passam nas subsedes
da UNTAET espalhadas pelos 13 distritos, chegam com mais de
um dia de atraso. Mas, mesmo assim, conta a jornalista, "as
salas enchem-se de povo que quer ver o que se está
a passar".
"O meu sonho é um dia trabalhar
numa televisão com meios razoáveis, que chegue
a todos os timorenses e com noticiários em directo
todos os dias", conta Francisca Gonçalves, enxugando
de pronto uma lágrima que a emoção lhe
despejou ao canto do olho. "Somos a televisão
mais pobre do mundo, mas somos de certeza os jornalistas que
trabalham com mais empenho e emoção. Até
porque sabemos bem o que representamos para o povo. Somos
os seus mensageiros", acrescenta, ainda emocionada.
Os timorenses já não dispensam
hoje os seus jornais, as suas rádios e a sua televisão.
É através dos seus jornalistas que estão
a seguir impacientes o processo eleitoral e a construção
da democracia. A merecida homenagem já lhes foi prestada
há muito pelos dirigentes políticos, que, em
nome do povo, ofereceram aos seus mensageiros o nome de uma
rua. A Rua da Liberdade de Imprensa, bem no Centro de Díli,
foi, já nos dias da liberdade, das primeiras a ser
baptizada.
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