Eleições com
participação superior a 90 por cento
Por Luciano Alvarez, em Díli
Sexta-feira, 31 de Agosto de 2001
Uma festa. Este é
o balanço que a administração da ONU
em Timor-Leste, os timorenses e os principais dirigentes políticos
fazem das primeiras eleições em liberdade ontem
realizadas no território. Uma festa tranquila, sem
um único incidente significativo, realizada em ambiente
de imensa alegria. Uma festa em que, segundo Xanana Gusmão,
"o povo surpreendeu mais uma vez o mundo".
Os rostos dos timorenses que ontem participaram
na primeira eleição em liberdade diziam tudo.
Rostos que mostravam toda a alegria pelo verdadeiro primeiro
encontro com a democracia. Gente que sorria permanentemente
nas longas filas, indiferente ao sol, ao aperto e às
horas que foram obrigados a estar de pé para elegerem
a sua assembleia constituinte. O acto eleitoral, como os timorenses
tinham prometido, foi, acima de tudo, uma enorme festa que
contrariou os que, especialmente dentro da administração
da ONU, temiam alguns problemas. Uma festa, de facto, tranquila,
sem incidentes, que, segundo os responsáveis das Nações
Unidas, deve ter contado com a participação
da grande maioria dos 409 mil inscritos para votar.
De acordo dados parciais revelados pela Comissão
Eleitoral Independente (CEI), registou-se uma participação
de 93 por cento dos eleitores. O responsável da CEI,
Carlos Valenzuela, disse que esta percentagem foi obtida através
de dados ainda não completos referentes a 145 dos 248
centros eleitorais, três horas após o encerramento
oficial das urnas.
"Correu fantasticamente e maravilhosamente
bem. O povo timorense surpreendeu mais uma vez o mundo."
A frase de Xanana Gusmão, proferida dez minutos antes
do fecho oficial das urnas (16h00, em Timor-Leste), resume
bem o que se passou nas eleições de ontem. Um
acto eleitoral sem qualquer incidente, tranquilo, realizado
em festa e com uma grande participação do povo
timorense.
Os postos eleitorais abriam às sete
horas da manhã, mas houve pessoas que foram para as
filas ainda de noite."Estou aqui desde as cinco horas.
Hoje queria ser o primeiro a votar", contava aos jornalistas
Júlio Agostinho, orgulhosamente à frente de
uma fila de cerca de cem pessoas que, pouco depois das seis
da manhã, esperava por votar na escola primária
número 15, no bairro de Tuanalaran, em Díli.
"Hoje é o dia da nossa festa, da
nossa votação, da nossa liberdade. Tinha de
ser o primeiro", explicava, nervoso com as perguntas
dos jornalistas que insistentemente o abordavam, o orgulhoso
eleitor.
Na escola número 15 votou também
José Ramos-Horta. O prémio Nobel da Paz chegou
dez minutos antes da abertura oficial das eleições,
marcada para a sete horas. "Estava impaciente e, além
disso, tinha compromissos noutros pontos do país. Vim
cedo para me despachar, mas parece que vou ter de esperar
um bom bocado", afirmava, com um sorriso de orelha a
orelha Ramos-Horta.
Aos muitos jornalistas que o esperavam no local
de voto, o prémio Nobel da Paz, ia dizendo, ora em
português, ora em inglês, aquilo que todos os
outros timorenses que iam sendo abordados pelos jornalistas
contavam. Que o dia de ontem "é histórico",
"uma festa que chegou sem violência", um "exemplo
para o mundo". "O acto eleitoral vai ter uma adesão
de cem por cento ou algo próximo", vaticinava.
No Colégio Paulo VI, no centro da capital,
os oito centros de voto instalados no local, um dos maiores
em número de eleitores, ainda não tinham aberto
meia hora depois do previsto. O atraso fez crescer a fila,
que nessa altura teria cerca de 500 pessoas e motivou algum
burburinho. Reclamações e alguns assobios, entre
gargalhadas e palmas, num verdadeiro ambiente de festa.
O ruído das conversas, das risadas,
era, a par da alegria dos eleitores, a grande diferença
em comparação com as enormes filas que também
se formaram, há precisamente dois anos, na votação
para o referendo em que os timorenses disseram "não"
à integração na Indonésia e abriram
as portas à liberdade.
No dia 30 de Agosto de 1999, os timorenses
esperaram em silêncio, levando pelas mãos os
filhos e os poucos haveres que haveriam de transportar para
o refúgio nas montanhas. Ontem, as filas tinham ruído,
sons de alegria. As crianças brincavam longe, soltas,
das saias das mães. E nas mãos dos eleitores,
não havia caixas de cartão amarradas com baraços,
sacos de plástico, tachos, ou os inseparáveis
crucifixos que os timorenses nunca deixaram para trás
quando tiveram de fugir. Ontem, nas mãos de cada um
havia apenas o cartão de eleitor, que muitos mostravam
orgulhosos aos jornalistas.
Ainda assim, como em 1999, as principais ruas
da capital estiveram praticamente desertas durante todo o
dia. Quase só se via gente junto aos postos eleitorais.
"Há pessoas que ainda não esqueceram 1999
e, depois de votarem, vão para casa por temerem alguma
coisa. Outros vão para casa só porque hoje é
feriado, dia de festa, a família prepara uma comidinha
melhor e fica junta", justificava o padre Filomeno Jacob,
o responsável pela educação e ensino
em Timor-Leste.
E, de facto, não havia razões
para recear fosse o que fosse. Quatro horas depois de abertas
as urnas, um dos responsáveis da UNTAET pelo processo
eleitoral, Carlos Valenzuela, dava uma conferência de
imprensa para revelar que nos 248 postos eleitorais espalhados
por todo o país tudo "estava a correr com normalidade
e sem qualquer tipo de incidente." O único problema
verificado tinha sido o atraso na abertura de alguns locais
de votos, mas apenas por problemas técnicos. Nada mais.
Exactamente o mesmo resumo era feito às 16h30 pelos
homens da ONU e repetido já ao início da noite.
As eleições foram de facto a
festa que os timorenses tinham prometido, decorrendo sem um
único incidente digno de relevo em todo o país.
Sérgio Vieira de Mello, quase em cima
do fecho oficial das urnas, alinhava com a alegria dos timorenses
e dizia ser "um homem muito feliz". "Foi um
dia extraordinariamente bonito em todos os sentidos da palavra.
Os timorenses revelaram hoje ainda mais a beleza do seu carácter.
Foi tão bonito. Tão bonito. Pessoas que andaram
quilómetros, que estiveram horas ao sol sempre sorrindo
e dizendo que estava tudo bem, que só que queriam votar",
afirmou, visivelmente emocionado, o administrador transitório
da ONU.
"Que dignidade, que entusiasmo comedido,
que disciplina, que sabedoria tem a população
timorense. Que povo maravilhoso", acrescentou Sérgio
Vieira de Mello.
Os votos vão ser contados a partir
de hoje. Dentro de um ou dois dias começam a ser revelados
os resultados dos distritos. Dia 10, ficar-se-á a saber
quem ganhou as eleições. Ontem já houve,
porém, um vencedor: o povo timorense.
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