"O meu sonho era fotografar
todos os timorenses"
Por Luciano Alvarez, em Díli
Quarta-feira, 29 de Agosto de 2001
Xanana Gusmão
não larga as suas máquinas fotográficas.
Onde quer que ele vá, elas estão sempre consigo.
Xanana chega e logo começa a fotografar tudo e todos,
ao ponto de já ter sido uma ou duas vezes inconveniente.
Nos últimos dias, Xanana, com as suas máquinas
em "poses" para obter o melhor ângulo, fez
as delicias dos repórteres fotográficos profissionais
- a quem Xanana já chama colegas - que estão
a acompanhar o processo. Uma nova imagem do líder da
resistência passou para todo o mundo.
Xanana Gusmão tinha o dia de ontem reservado
(das 8 às 19 horas) para conceder entrevistas a alguns
dos muitos jornalistas que se encontram em Timor-Leste. Numa
sessão contínua, apenas interrompida para ir
ao comício da Fretilin, foram umas 80 as entrevistas
que Xanana deu. Cinco minutos cada uma, rigorosamente cronometrados
pela sua secretária.
O PÚBLICO aproveitou o seu tempo para
falar com Xanana desta sua paixão. Não só
porque o já candidato à presidência da
República já disse quase tudo o que pensava
sobre o processo eleitoral e sobre o momento político,
como também porque em cinco minutos é praticamente
impossível ter uma ideia real sobre o pensamento político
do líder histórico da resistência.
E se houve alguém que gostou de falar
sobre o assunto, foi o entrevistado. Xanana sorriu assim que
soube o assunto a abordar e entregou-se à conversa
com visível satisfação. O tema agradou
de tal forma a Xanana Gusmão que a sua rigorosa secretária
acabou por dar ao PÚBLICO mais cinco minutos que os
previamente estabelecidos. Um privilégio que poucos
dos 80 jornalistas que ontem entrevistaram o candidato à
presidência tiveram.
Xanana Gusmão revela que esta é
uma paixão antiga, que já vem de antes do 25
de Abril de 1974. Conta ainda que levou, nos dias da luta,
as máquinas para o mato e que muitas das fotos que
saíram de Timor nesse altura retratando as actividades
da resistência eram suas. Diz ainda que um dia gostava
de fazer uma exposição com as melhores fotos
dos milhares que tem em sua casa. O seu sonho como fotografo
é, porém, um dia ter tempo para fotografar todo
o Timor e o seu povo.
PÚBLICO - Quando é que
começou a sua paixão pela fotografia?
Xanana Gusmão - Há muito, muito tempo.
Ainda mesmo do 25 de Abril.
P. - O que fotografava nesse altura?
R. - Tudo, ou quase tudo. As pessoas, tal como hoje,
os jogos de futebol os amigos. Andava por aí com a
máquina, uma pequenina, e quando via qualquer coisa
que me agradava, pá, tirava a foto.
P. - Levou as máquinas para o
mato, para a guerrilha?
R. - Levei. Duas máquinas fotográficas
e duas de filmar.
P. - E o que é que aconteceu
a esse material?
R. - Perdemos tudo. Nas grandes operações
dos militares indonésios de 1977/78 perdemos tudo.
Depois desenvolvemos de novo a rede clandestina e aí
fiz muito mais fotos, algumas saíram mesmo de Timor-Leste
para jornais no estrangeiro. Muitas fotos que saíram
para o estrangeiro a mostrar o que se passava em Timor eram
tiradas por mim. Depois perdemos tudo outra vez e não
sei onde anda isso.
P. - Agora, o que gosta mais de fotografar?
R. - Um pouco de tudo. O que eu fotografo agora é
tudo aquilo de que eu posso ser testemunha. É uma cultura,
um trabalho dos acontecimentos, quer sejam sociais, quer políticos,
para um dia escolher as melhores fotos e, quem sabe, fazer
uma exposiçãozinha. Gostava muito de um dia
mostrar esse trabalho.
P. - Tem ideia de quantas fotos já
fez desde que voltou a Timor?
R. - Ui, tantas, tantos milhares. Nem me pergunte,
são tantas. Ao principio era eu que comprava os rolos
e poupava um bocadinho. Mas, depois, colegas profissionais
começaram a ver o meu gosto e começaram-me a
oferecer rolos e mais rolos e agora fotografo tudo. Ao principio
comprava um, dois rolos. Agora tenho até demais.
P. - E guarda tudo o que fotografa?
R. - Sim, em minha casa. Vamos a ver se arranjo tempo
para arrumar aquilo tudo.
P. - O que é que ainda não
fotografou e gostava de fotografar?
R. - Nos próximos tempos, se eu pudesse ter
um helicóptero para mim, gostava de ir a todos os recantos
da nação fazer alguns instantâneos. Ir
com tempo, fotografar Timor-Leste, as pessoas, a sua cultura.
O meu sonho era fotografar todos os timorenses. Todo o Timor-Leste.
Com calma, gostava muito.
P. - Já algumas vezes fotografou
o seu filho em público. Faz muitas fotos de família?
R. - Não. Fotografar a família e o filho
é mais com a mãe. Às vezes também
faço umas fotos, mas da família é a mãe
que faz as fotos. Agora estou mais interessado em fotografar
os acontecimentos. Não dividimos o trabalho, mas é
mais a mãe. Eu ao principio, quando nasceu o menino,
fazia muitas fotos dele. Era quase uma a cada três segundos.
Agora faço menos, porque se eu o continuasse a fotografar
como ao principio não havia dinheiro para tantas fotos
(risos).
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