CharlesDharapak/AFP
 
  Xanana avançou com alguma relutância para a candidatura a presidente da república de Timor-Leste
 
   
   

O discurso de Xanana

Declaro aqui e agora que aceitarei ser nomeado pelos partidos para Presidente da República de Timor-Leste se os mesmos partidos demonstrarem o máximo compromisso para aceitar quaisquer que sejam os resultados das eleições.

Sei que não sou a pessoa indicada. Ultimamente tenho-me sentido muito cansado, depois do peso de 25 anos.

Sempre alimentei o sonho de que, depois da independência, teria tempo para cultivar abóboras e criar animais. E as esperanças nunca devem morrer.

Acredito que alguns partidos não teriam mencionado o meu nome se não houvesse esta forma de pressão por parte do povo.
E é esta pressão que explica a forma tão extemporânea de me apresentarem como candidato do partido para as futuras presidenciais

A minha participação pessoal no processo de libertação nacional foi igual à de qualquer outro filho desta terra que desejava a independência para Timor-Leste.

Nunca alimentei ambições pessoais, tanto mais que jurei, perante os tombados e guerrilheiros sob o meu comando, que nada reclamaria por respeito pelos enormes sacrifícios de todos.


Reacções

"Xanana Gusmão é inquestionavelmente a figura central do processo de conquista da independência de Timor-Leste e da preparação de um novo Estado democrático timorense. A sua candidatura é assim a melhor garantia para o povo timorense e para a comunidade internacional do êxito do processo de criação de um novo Estado livre, independente e genuinamente democrático"

António Guterres,
primeiro-ministro de Portugal


"É a decisão certa, que vai serenar a população e dar confiança ao povo de Timor-Leste, dissipando o clima de incerteza e de especulação que vinha pairando sobre o processo eleitoral. Podemos agora voltar-nos para o futuro, trabalhando juntos na segunda fase de transição e levando o país à independência com uma liderança unida".

Sérgio Vieira de Mello,
administrador transitório de Timor-Leste


"Sempre tive a certeza a cem por cento de que Xanana seria candidato à presidência. Era o anúncio que faltava para tranquilizar o nosso povo. O povo no interior está a receber a notícia com muita alegria e isto vai garantir que os ânimos ficam ainda mais tranquilos".

José Ramos-Horta,
ministro dos Negócios Estrangeiros no executivo provisório de Timor-Leste


Xanana avança para presidência
em nome da serenidade eleitoral

Por Luciano Alvarez, em Díli
Domingo, 26 de Agosto de 2001


Timor-Leste já tem o candidato que todos queriam para Presidente da futura república independente. Xanana Gusmão, para alegria dos timorenses, revelou ontem que é candidato, embora o seu desejo fosse só o fazer depois de divulgados os resultados das eleições da próxima quinta-feira. Xanana acabou por ceder às pressões dos que lhe fizeram ver que anunciar já a sua disponibilidade era vital para serenar a população, os partidos políticos e diminuir as possibilidades de violência entre as forças partidárias. Xanana, porém, fê-lo pouco entusiasmado, afirmando saber que não é "a pessoa mais indicada", que está "muito cansado" e revelando que o seu sonho para depois da independência era outro. O mais que certo futuro Presidente queria antes ir "cultivar abóboras e criar animais".


Xanana Gusmão foi fortemente pressionado por alguns dos principais dirigentes políticos timorenses, nomeadamente Ramos-Horta, e por altas individualidades da administração da ONU em Timor-Leste para anunciar ontem a sua disponibilidade para se candidatar à presidência da futura república. Xanana, segundo apurou o PÚBLICO, não queria fazer já o anúncio, mas em nome de uma eleição tranquila e sem violência e para colocar fim às especulações, aceitou os insistentes pedidos que lhe foram feitos nos últimos dias. Timor-Leste já tem o candidato a Presidente que todo o povo desejava, ainda que Xanana tenha avançado de forma muito pouco entusiasmada e revelando que não era esse o seu sonho.

Isso ficou claro na declaração pouco entusiástica de Xanana e na conferência de imprensa que se seguiu, bem como nas palavras de Ramos-Horta e Sérgio Vieira de Mello, que se congratularam de forma efusiva com o fim do "tabu" do líder histórico da resistência, salientando a sua importância para o serenar dos ânimos da população e dos partidos. E, em nome de um processo eleitoral pacifico, Xanana deixou mesmo um "se" no ar: só avança de facto com a sua candidatura se os partidos "aceitarem os resultados das eleições", promovendo nas suas estruturas de base "a política da tolerância e do respeito mútuo".

Xanana deixou mais uma vez claro que não era sua intenção ocupar qualquer cargo político depois da independência e lembrou mais uma vez o juramento que fez "sobre os tombados" em combate e aos guerrilheiros de que não reclamaria para si nenhum cargo político. O facto de ter sido colocado por todos os partidos "numa situação de total dependência", já que têm vindo a afirmar há vários meses que ele "seria o candidato para presidente da República", foi outro dos factores que o levaram a avançar de imediato. "Espero assim também pôr termo a todas as especulações em torno da questão."

Ainda assim, o líder histórico da resistência, que hoje apenas ocupa o cargo de presidente do Movimento dos Veteranos da Resistência, diz saber que não é "a pessoa mais indicada" para presidente da República, dando a entender que se sente obrigado pelas circunstâncias políticas a avançar. "Ultimamente, tenho-me sentido muito cansado, depois do peso de 25 anos. Sempre alimentei o sonho de que, depois da independência, teria tempo para cultivar abóboras e criar animais. E as esperanças nunca devem morrer."

Uma obrigação que Xanana Gusmão já há muito tempo tinha percebido que tinha que assumir. Ramos-Horta, há 15 dias, tinha mesmo afirmado ter a certeza que Xanana seria candidato à presidência da República, lembrando ontem que há muito sabia desta decisão. Ramos-Horta, ainda que inadvertidamente, acabou mesmo por revelar que o líder histórico ia avançar com a candidatura, hora e meia antes de Xanana o fazer, e foi uma das personalidades que mais insistiu na necessidade de Xanana anunciar já a sua candidatura.

Mas Xanana, segundo garantiram ao PÚBLICO alguns dirigentes políticos próximos do ex-presidente do CNRT, teria preferido esperar pela divulgação dos resultados eleitorais para fazer o anúncio.

O próprio Xanana, em declarações feitas na véspera, afirmava que ainda não tinha tomado a decisão, declarando mesmo que esta não era a melhor altura para o fazer - "creio que não descansava as pessoas", se revelasse já estar disponível ou não para se candidatar, disse numa entrevista ao "Expresso" concedida na quinta-feira, sublinhando mesmo que isso poderia "dar dores de cabeça ao povo" em vésperas da eleição para a constituinte.

O receio de que o processo eleitoral -especialmente na altura em que forem divulgados os resultados - possa resultar numa espiral de violência entre os partidos foi fundamental para convencer Xanana Gusmão a aceitar as pressões que lhe foram feitas para avançar já.

Isso mesmo fica claro na declaração que Sérgio Vieira de Mello fez após o anúncio de Xanana: "Estou extremamente satisfeito. É a decisão certa e que vai serenar a população. Que vai dar confiança ao povo e que dissipa o clima de incerteza e especulação que vinha pairando sobre o processo eleitoral."

"Vai tranquilizar os ânimos e ajudar a apaziguar os partidos políticos", afirmou, por sua vez, Ramos-Horta, que garante já que Xanana Gusmão vai ter "100 por cento dos votos". O povo já começou a festejar um pouco por todo Timor-Leste o novo e desejado candidato a Presidente da futura república independente, e alguns partidos vieram mesmo para as ruas de Díli festejar, dando à capital um ambiente de campanha eleitoral que até agora ainda não se tinha visto de forma tão clara.

 


Há algum assunto que gostasse de ver abordado neste dossier? Envie-nos a sua sugestão.
Quer fazer uma pergunta sobre este tema? Envie-nos a sua questão e leia aqui a resposta. Receberá um aviso quando ela for publicada.

© 2001 PUBLICO.PT, Serviços Digitais Multimédia SA
Email Publico.pt: Direcção Editorial - Webmaster - Publicidade