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  Sérgio Vieira de Mello: um dos princípios pontos cardeais da democracia" é que "uns saem derrotados e outros vencedores
 
   
   
   

Os alertas de Vieira de Mello

"Aceitem pacífica e escrupulosamente os resultados destas eleições e preparem-se para as próximas. Quem perder no dia 30, quem sabe poderá ganhar nas próximas eleições"

"Nada de demonstrações, de euforia ou de desapontamentos quando os resultados forem divulgados a nível distrital ou nacional."

"Não se esqueçam de que, no dia 30 e seguintes, a segurança é responsabilidade exclusiva da administração transitória deste país. Da polícia civil internacional, da nova polícia timorense, apoiada em caso de necessidade pela nossa força de manutenção da paz."

"Não vamos tolerar nenhum grupo ou indivíduo que se auto-intitule de segurança, principalmente num período de 100 metros em torno de locais de votação."

"Redobremos os nossos esforços e a nossa vigilância no sentido de não lançarmos polémicas desnecessárias. Não empreguem palavras ou conceitos que possam criar rancor ou mal entendidos, que engajem os partidos políticos numa espiral que causaria mais angústia e ansiedade a uma população que não merece isso após cinco semanas de uma campanha muito pacifica e responsável."

Administrador da ONU avisa partidos
de que não tolerará violência

Por Luciano Alvarez, em Díli
Sábado, 25 de Agosto de 2001

A calma que se vive em Timor-Leste e a ausência de uma campanha eleitoral visível começa a causar estranheza aos timorenses. Até porque entre o ambiente de tranquilidade vão surgindo rumores. E com eles aumenta o medo entre as populações. Os militares da ONU, já em estado de alerta, redobraram as suas patrulhas e o administrador das Nações Unidas, Sérgio Vieira de Mello, face às "notícias" que vão surgindo, alertou os partidos de que não tolerará qualquer acto de violência. O povo, embora diga esperar que a eleição seja uma festa, não esconde alguns receios e diz que ao menor sinal de crise volta a refugiar-se nas montanhas. Faltam cinco dias para as primeiras eleições livres de Timor-Leste.

"Está tudo estranhamente calmo. Estranhamente calmo", afirmou ontem ao PÚBLICO o padre Filomeno Jacob, responsável pela educação em Díli, surpreendido com uma campanha eleitoral que não se vê e com uma cidade que, de dia para dia, aparenta ter cada vez menos pessoas.

Filomeno Jacob diz ser "perfeitamente natural" que as pessoas tenham medo. "Alguns até já começaram a fechar as suas lojas. O medo é normal, o passado ainda não está esquecido. Nem podia estar. É normal, mas vai ser uma festa." Filomeno Jacob não é único que estranha esta tranquilidade e uma campanha eleitoral fantasma, quando apenas faltam cinco dias para as eleições para a Assembleia Legislativa de Timor-Leste.

O povo também se mostra preocupado, até porque, tal como no passado, começam a surgir rumores sobre seguranças privadas e manobras de intimidação. Conversas feitas de meias verdades e meias mentiras, ninguém sabe ao certo, mas que fazem aumentar o medo. Ontem surgiu na capital a "notícia" de que alguns partidos estavam a organizar forças de segurança para pressionar as populações a votar nos seus partidos.

Face a isto, Sérgio Vieira de Mello, o administrador da ONU, saudando mais uma vez a maturidade política dos timorenses e a "forma exemplar como se têm comportado", aproveitou o último encontro com os partidos para lhes deixar um aviso. "Não vamos tolerar nenhum grupo ou indivíduo que se auto intitule de segurança."

Não é tanto o dia da votação que timorenses, militares e responsáveis da UNTAET temem. O medo, especialmente o da população, volta-se mais uma vez para o dia em que os resultados eleitorais forem revelados. Foi nessa altura que, em 1999, começaram os dias de destruição e morte. Claro que ninguém pensa que algo de semelhante possa acontecer. O receio é que os partidos vencedores e derrotados se envolvam em conflitos nessa altura. Que se aproveite o facto para vinganças. Que os grupos de marginais se sirvam da mais pequena confusão para o saque. Que o mais pequeno incidente se transforme numa situação que fique fora de controlo.

De forma a evitar festejos preparados com antecedência, a UNTAET não revelou a data em que vai divulgar os resultados. Diz apenas que estes serão anunciados até 10 de Setembro.

Ontem surgiu na capital o rumor de que alguns partidos políticos estavam a preparar grupos de segurança privada. Grupos que as forças partidárias apresentavam como de defesa das populações, mas que teriam como objectivo intimidar os eleitores a votarem nos seus partidos. A informação chegou aos militares da ONU e a Sérgio Vieira de Mello. Aproveitando um encontro com os partidos ao final da manhã, o administrador transitório lembrou-lhes que os mais de 200 postos eleitorais em todo o país vão estar policiados e que não será tolerado qualquer tipo de segurança privada.

"Não se esqueçam que no dia 30 e nos seguintes a segurança é responsabilidade exclusiva da administração transitória deste país. Da polícia internacional, da nova polícia timorense, apoiadas em caso de necessidade pela nossa força de manutenção da paz", alertou na última reunião com os representantes de todos os partidos políticos antes da votação de dia 30.

Mas disse-lhes mais. Lembrou-lhes que um "dos princípios pontos cardeais da democracia" é que "uns saem derrotados e outros vencedores" e que os derrotados hoje "podem ser os vencedores amanhã". "Por isso, nada de demonstrações, de euforia ou de desapontamento quando os resultados regionais ou nacionais forem divulgados", avisou.

"Redobremos os nossos esforços e a nossa vigilância no sentido de não lançar mos polémicas desnecessárias", pediu ainda o administrador da ONU. E com o aproximar dos últimos comícios dos principais partidos, agendados para Díli nos últimos dois dias da campanha eleitoral, Sérgio Vieira de Mello apelou a todas forças políticas para que não "empreguem palavras ou conceitos que possam criar rancor ou mal entendidos". Que não criem situações que possam "engajar os partidos políticos numa espiral que causaria mais angústia e ansiedade a uma população que não merece isso".

Vieira de Mello mostrou-se mais uma vez optimista de que tudo vai correr bem, mas as suas palavras são o sinal do receio de algo de grave possa acontecer. Que uma polémica, um festejo, uma manifestação de desagrado por uma derrota possa causar a tal "espiral" de violência que refere.

Nos últimos dias, os militares e a polícia, já em alerta geral, redobraram as patrulhas, mostrando a sua presença de uma forma mais efectiva à população. No asfalto da capital rodam permanentemente blindados da força de paz, com soldados atentos agarrados às metralhadoras pesadas dos veículos.

Nas ruas de Díli reina, porém, a calma. Uma calma "estranha", como diz o padre Filomeno Jacó. Uma calma que também assusta.


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