Administrador da ONU avisa
partidos
de que não tolerará violência
Por Luciano Alvarez, em Díli
Sábado, 25 de Agosto de 2001
A calma que se vive em Timor-Leste e a ausência
de uma campanha eleitoral visível começa a causar
estranheza aos timorenses. Até porque entre o ambiente
de tranquilidade vão surgindo rumores. E com eles aumenta
o medo entre as populações. Os militares da
ONU, já em estado de alerta, redobraram as suas patrulhas
e o administrador das Nações Unidas, Sérgio
Vieira de Mello, face às "notícias"
que vão surgindo, alertou os partidos de que não
tolerará qualquer acto de violência. O povo,
embora diga esperar que a eleição seja uma festa,
não esconde alguns receios e diz que ao menor sinal
de crise volta a refugiar-se nas montanhas. Faltam cinco dias
para as primeiras eleições livres de Timor-Leste.
"Está tudo estranhamente calmo.
Estranhamente calmo", afirmou ontem ao PÚBLICO
o padre Filomeno Jacob, responsável pela educação
em Díli, surpreendido com uma campanha eleitoral que
não se vê e com uma cidade que, de dia para dia,
aparenta ter cada vez menos pessoas.
Filomeno Jacob diz ser "perfeitamente
natural" que as pessoas tenham medo. "Alguns até
já começaram a fechar as suas lojas. O medo
é normal, o passado ainda não está esquecido.
Nem podia estar. É normal, mas vai ser uma festa."
Filomeno Jacob não é único que estranha
esta tranquilidade e uma campanha eleitoral fantasma, quando
apenas faltam cinco dias para as eleições para
a Assembleia Legislativa de Timor-Leste.
O povo também se mostra preocupado,
até porque, tal como no passado, começam a surgir
rumores sobre seguranças privadas e manobras de intimidação.
Conversas feitas de meias verdades e meias mentiras, ninguém
sabe ao certo, mas que fazem aumentar o medo. Ontem surgiu
na capital a "notícia" de que alguns partidos
estavam a organizar forças de segurança para
pressionar as populações a votar nos seus partidos.
Face a isto, Sérgio Vieira de Mello,
o administrador da ONU, saudando mais uma vez a maturidade
política dos timorenses e a "forma exemplar como
se têm comportado", aproveitou o último
encontro com os partidos para lhes deixar um aviso. "Não
vamos tolerar nenhum grupo ou indivíduo que se auto
intitule de segurança."
Não é tanto o dia da votação
que timorenses, militares e responsáveis da UNTAET
temem. O medo, especialmente o da população,
volta-se mais uma vez para o dia em que os resultados eleitorais
forem revelados. Foi nessa altura que, em 1999, começaram
os dias de destruição e morte. Claro que ninguém
pensa que algo de semelhante possa acontecer. O receio é
que os partidos vencedores e derrotados se envolvam em conflitos
nessa altura. Que se aproveite o facto para vinganças.
Que os grupos de marginais se sirvam da mais pequena confusão
para o saque. Que o mais pequeno incidente se transforme numa
situação que fique fora de controlo.
De forma a evitar festejos preparados com antecedência,
a UNTAET não revelou a data em que vai divulgar os
resultados. Diz apenas que estes serão anunciados até
10 de Setembro.
Ontem surgiu na capital o rumor de que alguns
partidos políticos estavam a preparar grupos de segurança
privada. Grupos que as forças partidárias apresentavam
como de defesa das populações, mas que teriam
como objectivo intimidar os eleitores a votarem nos seus partidos.
A informação chegou aos militares da ONU e a
Sérgio Vieira de Mello. Aproveitando um encontro com
os partidos ao final da manhã, o administrador transitório
lembrou-lhes que os mais de 200 postos eleitorais em todo
o país vão estar policiados e que não
será tolerado qualquer tipo de segurança privada.
"Não se esqueçam que no
dia 30 e nos seguintes a segurança é responsabilidade
exclusiva da administração transitória
deste país. Da polícia internacional, da nova
polícia timorense, apoiadas em caso de necessidade
pela nossa força de manutenção da paz",
alertou na última reunião com os representantes
de todos os partidos políticos antes da votação
de dia 30.
Mas disse-lhes mais. Lembrou-lhes que um "dos
princípios pontos cardeais da democracia" é
que "uns saem derrotados e outros vencedores" e
que os derrotados hoje "podem ser os vencedores amanhã".
"Por isso, nada de demonstrações, de euforia
ou de desapontamento quando os resultados regionais ou nacionais
forem divulgados", avisou.
"Redobremos os nossos esforços
e a nossa vigilância no sentido de não lançar
mos polémicas desnecessárias", pediu ainda
o administrador da ONU. E com o aproximar dos últimos
comícios dos principais partidos, agendados para Díli
nos últimos dois dias da campanha eleitoral, Sérgio
Vieira de Mello apelou a todas forças políticas
para que não "empreguem palavras ou conceitos
que possam criar rancor ou mal entendidos". Que não
criem situações que possam "engajar os
partidos políticos numa espiral que causaria mais angústia
e ansiedade a uma população que não merece
isso".
Vieira de Mello mostrou-se mais uma vez optimista
de que tudo vai correr bem, mas as suas palavras são
o sinal do receio de algo de grave possa acontecer. Que uma
polémica, um festejo, uma manifestação
de desagrado por uma derrota possa causar a tal "espiral"
de violência que refere.
Nos últimos dias, os militares e a polícia,
já em alerta geral, redobraram as patrulhas, mostrando
a sua presença de uma forma mais efectiva à
população. No asfalto da capital rodam permanentemente
blindados da força de paz, com soldados atentos agarrados
às metralhadoras pesadas dos veículos.
Nas ruas de Díli reina, porém,
a calma. Uma calma "estranha", como diz o padre
Filomeno Jacó. Uma calma que também assusta.
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