Negociações
de paz na Colômbia recomeçam hoje
Por Fernando Sousa
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2002
As Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC, marxistas) levaram a sério
o ultimato do Presidente Andrés Pastrana e aceitaram
voltar à mesa das negociações, interrompendo
a contagem decrescente do regresso à guerra. O país
e o mundo, arrepiados com o que parecia ser o iminente reinício
das hostilidades, respiraram de alívio.
O sim rebelde foi dado pelo comandante das FARC Raul Reyes
numa conferência de imprensa segunda-feira à
tarde em San Vicente del Caguan, na zona desmilitarizada,
quando o tempo corria vertiginosamente para o fim do prazo,
marcado para as 2h30 da madrugada (hora de Lisboa), e milhares
de soldados rumavam para a área e para novos horrores
deste conflito com quatro décadas.
A cedência das FARC, cujas forças são
estimadas em 16 mil homens, foi testemunhado, além
do mediador da ONU, James LeMoyne, pelo presidente da Conferência
Episcopal Colombiana, monsenhor Alberto Giraldo, e o embaixador
francês, Daniel Parfait, em representação
da chamada "Comissão Facilitadora" - ou "Grupo
dos Dez", integrado pelo Canadá, Cuba, Espanha,
França, Itália, México, Noruega, Suíça,
Suécia e Venezuela -, e logo aceite pelo Governo, pela
voz do alto comissário para a Paz, Camilo Gomez.
Mal ele foi anunciado, a rádio de San Vicente passou
uma conhecida canção colombiana "Nós
somos a paz". E nas ruas da cidade foi a festa, buzinas,
bandeirinhas colombianas, gritos, sorrisos e "vivas"
a Pastrana. "Pela primeira vez, o Governo actuou com
firmeza e fez as FARC aceitar os seus pontos de vista",
disse, citado pela Reuters, um general na reserva, Alvaro
Valencia.
Já à noite, o Presidente anunciava ao país
e ao mundo que os rebeldes tinham aceitado voltar a falar
a discutir a paz com base no Acordo de San Francisco de la
Sombra, assinado em 5 de Outubro, sobre um cessar-fogo, bem
como da sua política de sequestros e ataques à
população civil (ver caixa). E, além
disso, de envolvimento com o narcotráfico.
"O processo de paz continua", disse Pastrana, dando
porém aos rebeldes um novo prazo, cinco dias, para
darem passos concretos, o que, a não acontecer, fará
tudo voltar à estaca zero.
"Temos menos de uma semana para decidir sobre a continuação
ou não da zona; ainda não atingimos o nosso
objectivo", afirmou o Presidente, muito criticado pelos
conservadores e os militares por ter cedido às FARC
uma parte do território nacional - e discutido com
o Exército de Libertação Nacional, a
segunda maior organização guerrilheira colombiana,
de inspiração guevarista, outra semelhante.
Aviso: "Que as FARC não se enganem: nestes dias
pudemos assistir ao que pode um país unido pela paz",
declarou o mandatário, que fez do fim da sangria colombiana
a prioridade do seu mandato. Desde que começou, há
38 anos, o conflito matou mais de 200 mil pessoas, além
de milhares de feridos e deslocados.
A área em causa, com cerca de 42 mil quilómetros
e 100 mil habitantes, e cuja designação oficial
é "Zona de Distensão", foi acordada
às FARC em 1998 e ocupada efectivamente por elas em
Janeiro seguinte como uma espécie de penhor temporário
da boa vontade e para servir de palco às conversas
de paz a decorrerem paralelas à luta. Lema - estranho
- deste processo: fazer a paz, em guerra.
"O grupo [dos países amigos do processo de paz
crê que existem condições para reatar
as negociações imediatamente", disse o
embaixador Parfait, porta-voz dos Dez, ao mesmo tempo que,
em Nova Iorque, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan,
fazia votos por um "acordo pacífico".
Principais
temas em debate
- Trégua com cessar-fogo e
fim das hostilidades, sequestros, acções
para acabar com o fenómeno do paramilitarismo [referência
ao grupo de extrema-direita Autodefesas Unidas da Colômbia,
de Carlos Castaño] e eventual convocação
de uma Assembleia Nacional Constituinte
- Envolvimento de todas as forças políticas
e de outros sectores colombianos nos esforços de
paz
- Manutenção da Zona de Distensão
com o único propósito de fomentar o diálogo
e a negociação
- Os sequestros, ou "pescas milagrosas", realizados
periodicamente pelas FARC como estratégia de pressão
ou de obtenção de receitas, como o que recentemente
acabou com o assassínio de uma antiga ministra
e levou o Governo a radicalizar posições
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