Falta Informação Sobre o
Universo da Toxicodependência
Por Catarina Gomes
Domingo, 30 de Setembro
de 2001
Apesar da falta de estudos, Governo
avançou com várias medidas e aumentou o investimento no combate
à toxicodependência e quer alargar aposta na redução de danos
"Ninguém está hoje em condições
de dizer quantos toxicodependentes existem em Portugal".
José Sócrates, então ministro adjunto
do primeiro ministro, admitia-o numa cerimónia, há
mais de três anos, em que se formalizavam protocolos
para a elaboração de dois estudos. Objectivo:
conseguir uma estimativa do número de consumidores
problemáticos de droga e uma avaliação
da prevalência do consumo de drogas na população
em geral. José Sócrates continuava dizendo que
era preciso preencher lacunas de informação,
para que "as políticas de combate à droga
deixem de assentar na ignorância". Os estudos continuam
em curso.
Apesar da falta de informação,
nos últimos anos foi gisado um Plano de Acção
Nacional de Luta Contra a Droga e a Toxicodependência
e foram lançados os seus alicerces legislativos. Para
trás ficaram a nova lei da droga e o diploma de redução
de riscos. A nova prioridade do Governo centra-se agora no
projecto de lei do regime geral da política de prevenção
primária.
Um dos poucos estudos feitos nesta área
diz que quase um terço dos estudantes do ensino superior
já experimentaram alguma substância ilícita
("Consumo de substâncias licitas e ilícitas
em estudantes do ensino superior", 1998). Apesar das
diferenças entre distritos - Bragança lidera
a lista - o contacto com as drogas encontra-se difundido em
todo o território.
Assim, um dos pontos do novo plano de
prevenção parece acertado: incluir o tema da
droga nos currículos escolares a nível nacional.
Mas, como foi apontado durante a fase de discussão
pública do projecto, as medidas primam pela indefinição:
não se explica onde e como se dará essa inclusão.
Por outro lado, no capítulo da prevenção
familiar, fala-se da criação de "escolas
de pais", outro ponto que suscitou dúvidas. A
presidente do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência
(IPDT), Elza Pais, esclareceu que não serão
propriamente escolas, mas "espaços de conversa"
com pais que a eles queiram aderir, fora do horário
de trabalho, sendo coordenados por associações
de pais ou de famílias.
Por outro lado, a presidente do IPDT
já reconheceu que as linhas estratégicas dessa
política estão definidas e em curso, mas "nem
sempre ainda com os recursos humanos necessários à
sua implementação".
Portugal tem piores índices de
consumo problemático
Portugal tem dos piores índices de consumos problemáticos
da Europa, nomeadamente em termos de transmissão de
doenças infecciosas, como a sida, a hepatite, a tuberculose.
Segundo a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida,
cerca de metade dos doentes com sida em Portugal são
toxicodependentes.
Esta é a prova de que a aposta
na redução de danos é acertada, mas também
que foi negligenciada durante anos, reduzindo-se quase exclusivamente
à troca de seringas. O executivo quer ver esta medida
alargada às prisões, mas depara-se com a oposição
dos guardas prisionais.
Os especialistas concordam, em geral,
com o destaque dado à redução de danos,
onde se contam as polémicas casas de injecção
assépticas, assim como a criação de centros
de abrigo ou de acolhimento. Alguns defendem que é
o caminho mais fácil, porque é a assumpção
da impotência, outros que é o reconhecimento
de que a procura da abstinência não basta.
O diploma de redução de
riscos foi antecedido pela nova lei da droga que descriminalizou
o consumo. Um dos seus objectivos anunciados seria evitar
que o toxicodependente fosse parar à cadeia, passando
a ser tratado como um doente e não mais como criminoso.
Há quem defenda que apenas houve mudança de
vocabulário. Afinal, por exemplo, em 1998, a maioria
das condenações por consumo não se traduziu
em cumprimento efectivo de uma pena de prisão: apenas
176 dos 2524 condenados por consumo foram parar à cadeia
e muitos juízes já faziam o encaminhamento para
tratamento.
Ou seja, a grande diferença que
a lei poderá trazer não será tanto neste
nível, mas sim nas novas comissões para a dissuasão
da toxicodependência, que tratam de forma diferente
consumidores (a quem podem ser aplicadas coimas) e toxicodependentes.
Ainda é muito cedo para avaliar
da sua eficácia. Sabe-se que tinham recentemente chegado
às comissões mais de 500 processos. Na comissão
de Lisboa, que concentra a maioria, tinham entrado 200 casos.
No caso dos consumidores ocasionais ainda não foi aplicado
qualquer sanção pecuniária, uma vez que
tal só acontece quando há reincidência;
nos toxicodependentes houve cerca de 80 encaminhamentos para
tratamento.
Ao nível do Serviço de
Prevenção e Tratamento da Toxicodependência,
ainda há listas de espera, cerca de 300 utentes esperam
por atendimento. As situações mais problemáticas
registam-se em Braga, Porto, Peniche, Lisboa e, sobretudo
na península de Setúbal, afirma o seu presidente,
João Goulão. A dificuldade maior verifica-se
no recrutamento do pessoal de saúde. Se a falta de
médicos e enfermeiros é generalizada, com maioria
de razão isso acontece no domínio da toxicopendência,
uma área difícil em que não existem compensações
remuneratórias.
No ano passado, foram admitidos nas unidades
de desabituação públicas um total de
1939 indivíduos, sendo que 75 por cento foram admitidos
pela primeira vez.
A heroína continua a ser a principal
substância: é consumida como droga principal
por 1735 dos utentes (89 por cento), a maior parte fumaram-na
ou inalaram-na ((58 por cento). No entanto, 42 por cento ainda
usaram a via venosa. Em segundo lugar na lista figura a cocaína.
Embora não tenha sido quantificados os casos de politoxicodependência,
os técnicos pressupõem que alguns utentes que
usam heroína inalada, poderão usar ao mesmo
tempo cocaína por via endovenosa.
O grupo etário predominante dos
indivíduos admitidos situa-se entre os 25 e 39 anos
(74 por cento), 15 por cento têm entre 20 e 24 anos,
e 84 por cento são do sexo masculino. Verifica-se que
64 por cento dos utentes estão desempregados, embora
a maior parte se encontre ainda numa faixa etária profissionalmente
activa, 35 por cento têm actividade laboral e dois por
cento estavam reformados ou recebiam pensão social.
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