Cidadãos Tão Perto e Tão Longe
Quarta-feira, 26 de Setembro de 2001
Por Eunice Lourenço


Possibilidade de haver candidaturas independentes tem sido usada para canalizar descontentamentos e dissidências partidárias

A relação dos cidadãos com o poder local - o poder que, em princípio, lhes está mais próximo - pode ser vista de três pontos diferentes: a sua participação nos actos eleitorais, a sua participação nos órgãos autárquicos onde podem intervir e a sua participação em candidaturas independentes, já possível para as juntas de freguesia desde 1976 e a partir deste ano também possível para as câmaras.

Por um lado, os cidadãos sentem o poder local como próximo. O presidente da câmara é alguém com quem se pode falar com relativa facilidade - num município pequeno até é possível encontrá-lo no café -, o presidente da junta ainda mais próximo está. Além disso é possível ir às sessões de câmara e às sessões da assembleia municipal, onde está prevista a participação do público. Essas sessões são geralmente bastante participadas e aí os cidadãos podem apresentar os seus problemas exprimir os seus pontos de vista e tentar influenciar as decisões.

No entanto, a esta aparente proximidade contrapõe-se um afastamento que tem vindo a aumentar. A abstenção nas eleições autárquicas tem vindo a subir, desde os 26,2 por cento em 1979, até aos 39,7 por cento nas últimas autárquicas, em 1997. Esta subida, que teve ligeiras inversões, pode ter várias explicações.

Uma das explicações, apontada por Fernando Ruivo, professor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tem a ver com a questão dos "dinossauros", os presidentes de câmara que permanecem no poder durante anos e anos. Essa permanência leva os cidadãos a desligarem-se da eleição autárquica, com o sentimento de que o seu voto não conta. Uma situação que leva também à descredibilização que ataca o que se costuma chamar "classe política" e que deve ler-se como partidos.

Neste quadro tem surgido um dado, que não sendo novo, ganhou este ano mais espaço, sendo visto, em alguns sectores, como a panaceia para muitos dos males de que sofre o poder local: a participação de grupos de cidadãos independentes nas eleições autárquicas. Desde 1976, que é possível a candidatura de listas independentes às juntas de freguesia, mas só este ano é que o Parlamento aprovou a candidatura de listas independentes às câmaras e às assembleias municipais. No entanto, já há muito que os partidos recorrem a cidadãos independentes para serem cabeças de lista nas candidaturas às câmaras municipais (ver quadro).

"As teses que defendem o alargamento do direito de intermediação política entre eleitos e eleitores a organizações de cidadãos, estranhas ao modelo tradicional da competição pelo poder entre partidos políticos, parecem entroncar no entendimento de que as estruturas partidárias não preenchem a totalidade das funções que a doutrina e a teoria lhes atribuem, por um lado, e por outro, que a inexistência de outras fórmulas competitiva na disputa pelo exercício do poder político, conduz a um certo esclerosamento da actuação dos partidos", escreve Manuel Meirinho Martins, na introdução à sua tese de mestrado, publicada com o título "As eleições autárquicas e o poder dos cidadãos", no qual faz um estudo sobre as candidaturas de grupos de cidadãos às juntas de freguesia.

Na sua tese, Manuel Meirinho Martins defende que a participação de listas de grupos de cidadãos eleitores se "revelam como uma importante contribuição para a diminuição da abstenção eleitoral" e beneficiam do voto útil. No seu estudo, chegou ainda à conclusão que, de 1976 a 1993, os grupos de cidadãos eleitores reforçaram a tendência de se situarem acima dos partidos pequenos e com fraca implantação regional, tanto em presenças em freguesias (número de freguesias em que apresentam candidaturas) como em resultados.

Independentes desistem

Se até os grupos de cidadãos eleitores têm estado confinados apenas às freguesias, este ano podem, finalmente, concorrer às câmaras e assembleias municipais, o que já começa a mexer mais com os interesses dos partidos. Antes de a Assembleia da República concluir o processo legislativo, já vários grupos tentavam constituir-se a pressionar para uma aprovação rápida da lei.

Contudo, a menos de três meses das eleições autárquicas, também já começaram as desistências. No passado fim-de-semana o movimento de independentes das Caldas da Rainha anunciou a sua desistência das autárquicas por ter sido "escassa" a participação da população nas suas iniciativas promovidas. O porta-voz do movimento denominado CLIC - Cidadania de Livre Iniciativa Caldense, Jorge Mangorrinha, afirmou que não é possível "ser representante de quem não participa", explicando que a participação da comunidade local nas actividades de debate desde a fundação do CLIC há seis meses, "nunca ultrapassou as cem pessoas".

Nestes meses que já são de pré-campanha tem sido ainda possível verificar outra tendência: a possibilidade de haver candidaturas independentes tem sido usada para canalizar descontentamentos e dissidências partidárias. É assim em Famalicão, com a candidatura independente de Agostinho Fernandes, actual presidente da câmara de Famalicão, eleito pelo PS. Em Santarém, Hermínio Martinho, o candidato do PSD em 1997, garante que se apresentará como independente. E em Alcanena e no Entroncamento, os actuais presidentes socialistas recusados pelos dirigentes do PS vão também liderar candidaturas independentes, fazendo disso uma questão de honra.

 

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