Tudo Começa na Criminalidade de Rua
Por Alexandra Campos
Quinta-feira, 20 de Setembro de 2001


O número de crimes violentos pode ter diminuído, mas é sobretudo a pequena criminalidade de rua que justifica o agravamento dos sentimentos de insegurança. A crer nos dados oficiais, não há razões para alarme, mas o certo é que os portugueses se sentem cada vez mais amedrontados.

Desde o princípio desta semana, os alunos do Instituto Superior Técnico (IST) e seus familiares dispõem de uma linha telefónica de apoio para obter informações e conselhos sobre eventuais "casos de insegurança". Aos estudantes vai ser ainda ser distribuído um manual com informações sobre as esquadras da PSP a contactar e conselhos sobre as zonas a evitar. Um claro sinal dos tempos, marcados pela crescente visibilidade do fenómeno da criminalidade e por um imparável agravamento dos níveis da insegurança na sociedade portuguesa. A criminalidade e a droga, dizem os especialistas, constituem actualmente os grandes factores geradores de insegurança, muito mais do que a sinistralidade rodoviária ou o desemprego.

Mas será que existem razões objectivas para o aumento de sentimentos de insegurança? A resposta não é simples. As estatísticas oficiais apontam inequivocamente para um decréscimo da criminalidade dita violenta. O número de homicídios voluntários consumados verificado no ano 2000 foi mesmo o mais baixo dos últimos seis anos. Dados como este foram contestados pela oposição, que acusou o Governo de fazer "truques estatísticos" e voltou a chamar a atenção para o problema das cifras negras (crimes não participados às autoridades policiais).

Os inquéritos de vitimização permitem, de facto, perceber que actualmente apenas um em cada três crimes é participado à polícia. O que se explica pela falta de confiança na actuação da polícia e pelo descrédito no sistema judicial, face ao arrastamento, anos a fio, dos processos em tribunal. Um descrédito que justificou mesmo, a partir de meados da década de 90, o aparecimento de grupos conhecidos como "milícias populares".

Os responsáveis governamentais esforçam-se por desdramatizar a situação. Socorrem-se dos dados do Inquérito Internacional de Vitimação para acentuar que Portugal apresenta um nível global de vitimação da ordem dos 15 por cento, um dos mais baixos da tabela. Também a taxa de incidência - 36 crimes por mil habitantes - coloca Portugal numa posição aparentemente privilegiada face à criminalidade, quando comparada com os valores de outros países europeus, afirmam.

Apesar de vários estudos demonstrarem que, por vezes, o medo é desproporcionado face ao risco real de vitimização, o certo é que, pelo menos nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (a capital detém cerca de 45 por cento do total da ocorrências registadas), o elevado número de delitos contra o património não permite que se continue a afirmar que os receios dos cidadãos são irrealistas ou injustificados, contrapõe o sociólogo Eduardo Ferreira, do Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais e autor de um dos mais profundos estudos sobre o tema até à data realizados em Portugal.

As taxas de vitimização dos residentes nas duas áreas metropolitanas já terão atingido níveis muito semelhantes, senão superiores, aos que se verificam em muitas regiões da União Europeia, escrevia, já em 1998, na sua obra "Crime e Insegurança em Portugal". E alertava para o facto de os sentimentos de insegurança e os níveis de intolerância ao crime dos residentes em Lisboa e Porto parecerem estar "muito próximos de um ?limite?".

O problema do acesso às armas
Para o ministro da Admnistração Interna, Severiano Teixeira, é basicamente na pequena criminalidade de rua que radica o problema da insegurança. "É aqui que está o problema e ele merece da nossa parte uma atenção muito especial", afirmou, em Abril, durante a apresentação do Relatório de Segurança Interna. Neste contexto, também foi destacado o fenómeno da delinquência juvenil, e sublinhada a necessidade de se prestar atenção ao "carácter violento" de alguns actos dos "gangs" juvenis.

O certo é que, apesar de os sinais de alarme serem visíveis há vários anos, só na sequência dos famosos crimes da CREL, no Verão de 2000, se decidiu combater este fenómeno e pôr em marcha a famosa reforma do direito de menores, que entrou em vigor em Janeiro passado.

Uma outra questão a que finalmente se decidiu dar mais atenção foi a do acesso às armas, a que está associada grande parte da criminalidade violenta. Aliás, o ministro da Justiça, António Costa, na apresentação do relatório de segurança interna, fez questão de sublinhar que a intensidade da criminalidade mais grave aumentou, referindo-se sobretudo à utilização de armas de fogo. E conseguiu que, entretanto, fosse aprovada uma proposta de lei para combater o tráfico de armas, que prevê a possibilidade de prisão preventiva para os prevaricadores.

Como resposta à crescente visibilidade da criminalidade, o Governo põe a tónica na importância de uma política de prevenção. A este nível, uma das grande apostas passa pelo programa integrado de policiamento de proximidade. Por outro lado, estão em curso programas de apoio aos chamados grupos sociais mais vulneráveis -"Escola Segura", "Idosos em Segurança", e "Apoio à Vítima".

Foram ainda redistribuídas as competências de investigação criminal entre a PJ, a GNR e a PSP, e recentemente, instituídos gabinetes coordenadores de segurança ao nível distrital. Simultaneamente, e como resposta aos insistentes pedidos da população, que reivindica um polícia em cada esquina, o número de efectivos policiais não tem parado de aumentar em Portugal (que, curiosamente, já em 1998 era o país da União Europeia com mais polícias por habitante).

O investimento também conheceu um acréscimo assinalável - só entre 1996 e 2000, a despesa global com o sector da segurança interna (GNR, PSP, PJ, SEF e SIS) aumentou 38 por cento (passando de 163 para 225 milhões de contos).

 

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