Como Integrar Os Imigrantes?
Por Félix Neto*
Segunda-feira, 17 de Setembro de 2001

No espaço disponível para lançar algumas amarras que possam ancorar a resposta a esta questão, dois outros questionamentos interligados têm de ser levantados: é a estratégia de integração a única por que podem enveredar os imigrantes no processo de aculturação? Se não é a única, será a mais desejável tendo em conta os conhecimentos disponíveis fornecidos pelas ciências humanas e sociais?

Portugal é hoje simultaneamente um país de emigração e de imigração. No entanto, convém não esquecer que, do ponto de vista quantitativo, se bem que as estatísticas disponíveis relativamente aos fluxos migratórios nem sempre denotem a realidade, Portugal tem cerca de 20 vezes mais emigrantes que imigrantes.

Os cientistas sociais conceptualizaram os vários fenómenos suscitados pelos contactos de culturas sob o tópico de aculturação. A aculturação representa hoje um dos principais domínios de investigação no âmbito da psicologia intercultural. Globalmente, podemos distinguir dois grandes tipos de modelos de aculturação dos imigrantes. O primeiro tipo de modelos, o unicultural, pressupõe que as pessoas num grupo em aculturação deixarão os seus valores e hábitos culturais e adoptam atitudes e comportamentos característicos da sociedade dominante. O modelo unicultural pressupõe também que a sociedade receptora é monista ou pelo menos evolui para esse estádio. Este modelo focaliza-se no processo linear de assimilação e no seu âmbito a integração não tem lugar, a menos que se defenda que integração é igual a assimilação.

Um segundo tipo de modelos, multilineares, postulam um conjunto de alternativas e não uma só dimensão que culminaria na assimilação ou absorção numa sociedade "moderna". Assim, podem-se perspectivar os possíveis modos de aculturação que os imigrantes podem adoptar tendo em conta duas questões: é importante conservar a sua identidade e as suas características culturais e é importante procurar estabelecer e manter relações com os outros grupos da sociedade? Se se responder de modo dicotómico a essas duas questões, estaremos colocados perante quatro estratégias da aculturação: assimilação, integração, separação e marginalização.

A assimilação implica o abandono da própria identidade cultural em favor da comunidade dominante. A integração implica a manutenção parcial da identidade cultural do grupo étnico juntamente com uma participação cada vez mais acentuada no seio da nova sociedade. No caso do indivíduo não procurar estabelecer relações com a comunidade dominante e querer guardar a sua identidade cultural, opta pela separação. Enfim, a marginalização é o estado em que o grupo não-dominante perdeu a sua identidade cultural (muitas vezes por causa da política do grupo dominante em direcção da assimilação) e não tem o direito de participar no funcionamento das instituições e na vida do grupo dominante por causa de práticas discriminatórias.

Em toda uma variedade de domínios da vida quotidiana na sociedade receptora, estas diferentes opções revestem-se de extrema importância. Por exemplo, na escola, no trabalho, nas relações sociais, os indivíduos em aculturação prosseguirão estratégias divergentes no seu evoluir na sociedade receptora. Ora o conhecimento dessas estratégias e dos factores que lhe estão associados poderá contribuir para a formulação de políticas e de programas nos referidos domínios.

Na última década, recorremos ao modelo multilinear exposto para estudar as estratégias de aculturação em diversas populações migrantes. Mais particularmente em relação a filhos de imigrantes em Portugal temos vindo a estudar amostras de angolanos, cabo-verdianos, indianos e timorenses. Em todas as amostras que recolhemos aparece uma preferência pela integração enquanto modo de aculturação. A estratégia mais desejada pela grande maioria das pessoas que entrevistámos passa pelo desejo de estar em duas culturas (pelo menos) numa sociedade pluralista e não de viver entre duas culturas.

As estratégias de aculturação mostraram estar substancialmente relacionadas com uma adaptação positiva: a integração é geralmente a mais bem sucedida; a marginalização a menos; e a assimilação e a separação são intermediárias. Este padrão encontramo-lo em todos os grupos etnoculturais que estudámos. Se a adaptação bem sucedida é o resultado de uma pluralidade de factores, um certo número deles gravitam à volta da sociedade receptora, em particular das orientações gerais dessa sociedade. Dispomos hoje em dia de suficiente evidência, que nos advém da psicologia, não advogando a implementação de políticas nacionais que forçam a mudança de cultura (assimilação), ou a guetização (separação), ou uma combinação delas (levando à marginalização). Em vez disso uma política que envolva acomodação mútua (isto é, a integração tal como foi definida) deve ser prosseguida. É óbvio que no seu prosseguimento há custos para ambos os lados: a sociedade dominante ao mudar os curricula das escolas e os serviços de saúde; o grupo em aculturação ao mudar alguns aspectos da sua cultura que são valorizados, mas não são adaptativos. Todavia, os custos de não se adoptarem políticas de integração são provavelmente ainda maiores, em especial, se o resultado final é a segregação e a marginalização.

Os benefícios do pluralismo, mantido em parte através da integração, são numerosos. As sociedades que favoreçam a integração numa sociedade pluralista, seriam susceptíveis de contribuir para que essa fosse a atitude predominante e de reduzir simultaneamente a possibilidade das pessoas se sentirem marginalizadas.

A diversidade na sociedade não só é uma das especiarias da vida, como também fornece vantagens competitivas na diplomacia e no comércio internacional. Talvez a maior importância advenha da perspectiva dos sistemas sociais em que a diversidade cultural aumenta a adaptabilidade da sociedade: há modos alternativos de vida disponíveis nos sistemas sociais quando surgem circunstâncias mutantes, devido a mudanças num contexto político ou ecológico de uma sociedade.

* Professor Catedrático de Psicologia da Universidade do Porto

 

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