O Paradoxo da Imigração
Por Ricardo Dias Felner
Domingo, 16 de Setembro de 2001

A Europa precisa de mais imigrantes, mas os países tendem a restringir a entrada aos extra-comunitários. Em Portugal as portas vão fechar já em Janeiro de 2002. Mas quem parará os autocarros de ucranianos?

Se é verdade que nos últimos anos a entrada de pessoas na Europa tem aumentado, de acordo com a ONU e o Eurostat, a média anual terá ainda que subir por forma a sustentar o seu crescimento económico. Até 2050, a União Europeia (UE) precisa de mais 44 milhões de trabalhadores estrangeiros, que disponibilizem força braçal e assegurem as pensões de reforma no futuro; pelo que, feitas as contas, a média de entradas na Europa terá que subir dos cerca de 800 mil imigrantes legalizados o ano passado para mais de um milhão.

Ora este dado, ao que tudo indica consensual dentro da UE, tem sido inconsequente no que respeita à forma como a imigração é encarada, quer pelos cidadãos quer pelo poder político. O que reportam diversas organizações humanitárias e atestam os resultados eleitorais é que as sociedades europeias tendem para o repúdio do fenómeno, havendo sinais de um recrudescimento da xenofobia, assente quer em temores securitários, quer em receios economicistas.

Os próprios responsáveis governativos, mais preocupados com o barómetro imediato das opiniões públicas nacionais, têm dado cobertura a este sentimento, ampliando, em alguns países de forma radical, as restrições à regularização de imigrantes e o discurso proteccionista.

A União Europeia que, de acordo com o Tratado de Amesterdão, terá que ter uma legislação comum a todos os estados-membros até 2004, está neste momento paralisada perante o fenómeno, envolvida em paradoxos: está carenciada de imigrantes, mas continua a limitar a sua inclusão; nesse sentido, introduziu mais restrições normativas, mas a estatística demonstra uma tendência de crescimento, quer relativamente à imigração legal quer relativamente à imigração ilegal.

Portugal, apesar de geopoliticamente marginal no espaço europeu, acompanha esta tendência, sendo mesmo um dos comunitários com aumento mais rápido dos imigrantes em menos tempo. Num mundo encurtado pelas telecomunicações e pelos meios de transporte, num mundo em que os pobres tomam facilmente conhecimento da forma de aceder ao espaço dos ricos e dispõem-se a arriscar a vida por isso, nem o rectângulo mais ocidental do Velho Continente escapa ao fluxo migratório.

A legalização extraordinária iniciada em Janeiro deste ano - assente na concessão de autorizações de permanência válidas pelo período de um ano -, com o objectivo de facilitar a regularização dos clandestinos estabelecidos no país (que o SEF estimava em cerca de 20 mil) revelou-se uma operação gigantesca. Na Europa de Leste e no Brasil, a notícia espalhou-se, provocando um afluxo inesperado de estrangeiros aos serviços do SEF, impreparados para a procura.

A 31 de Agosto, o número de autorizações de permanência era de cerca de 94 mil, com os imigrantes de Leste a assumirem um terço do total. Pouco menos de oito meses depois de se iniciar o processo extraordinário de regularização, os ucranianos passaram a ser a terceira maior comunidade imigrante em Portugal, logo a seguir aos cabo-verdianos e aos brasileiros, contando com mais de 40 mil indivíduos, num universo de imigrantes legais que deverá rondar os 300 mil. Uma outra tendência revelada neste período tem que ver com o aumento da entrada de asiáticos, com os paquistaneses (cerca de 2500 autorizações de permanência), por exemplo, a rivalizarem com os cabo-verdianos.

Porta fecha-se em 2002

Ainda assim o debate sobre a imigração em Portugal deverá estar ainda no começo. A polémica deverá estalar em 2002 quando terminar o período de regularização extraordinário e a porta de entrada ficar apenas entreaberta. As novas regras ditam a importação de mão de obra por quotas, estabelecidas segundo as carências de emprego previstas num relatório do Governo a ser aprovado anualmente

Já em Janeiro próximo, a solução para os que se encontram clandestinamente em Portugal passa a ser o repatriamento. Quem entrar no país sem estar devidamente documentado será detido, iniciando-se o processo judiciário com vista à expulsão. E o Governo já deu a ideia de que não terá contemplações com os que a partir de então foram interceptados sem papéis. "Uma política de imigração sem o controlo de entradas e permanência de imigrantes ilegais não teria qualquer sentido", referiu o director do SEF em entrevista recente ao PÚBLICO. A abertura, prevista para o próximo ano, de três centros de acolhimento, que funcionem como alternativa à prisão preventiva (raramente ordenada) é um sinal disso mesmo.

Caso a média de entrada no país de clandestinos vindos do Leste se mantenha, dentro de poucos meses, Portugal poderá estar perante uma situação parecida com a vivida em Espanha relativamente aos "sem papéis" magrebinos e subsarianos. Apesar das restrições impostas pela nova lei da imigração - defendida solitariamente pelo PP de Aznar, com a oposição férrea dos restantes partidos e das ONG -, todos os dias são interceptados barcos de ilegais no sul de Espanha, e o Governo parece não saber o que fazer para travar o fluxo do Norte de África.

A questão poder-se-á revelar ainda mais complicada no caso português, uma vez que as fronteiras terrestres são mais difíceis de controlar.

No país vizinho, Aznar já teve que utilizar o artigo da lei que prevê a legalização extraordinária por "razões humanitárias" para justificar a regularização de milhares de imigrantes, cujas condições de vida são diariamente denunciadas por ONG, sindicatos e comunicação social. O tema tornou-se um dos trunfos mais eficazes do PSOE na luta pelo poder, e um dos motivos de maior desgaste do Governo.

Acresce a tudo isto que Portugal começa a pagar o desinteresse pela educação e integração dos imigrantes de segunda geração africana, e parece seguir no mesmo caminho no que respeita aos milhares de ucranianos, moldavos e romenos que acudiram ao país de forma abrupta nos últimos meses. Nesta matéria, já se viu que não resultam políticas tímidas e avulsas como as que têm sido anunciadas. E parece claro que a empatia inicial do povo português para com os respeitosos e educados cidadãos de Leste - que contrastam, claro está, com os desrespeitosos e mal educados cidadãos de África - se irá esvanecer com o tempo.

Resulta que é a questão da integração que vai definir o futuro da convivência multiétnica em Portugal e na Europa. E é previsível que os custos sociais da imigração - se não houver maior atenção por parte do governos no sentido da inclusão cultural - possam ofuscar rapidamente os benefícios economicistas da força braçal imigrante.

 

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