"Somos Mais Empresários do
Que Empreendedores"
Terça-feira, 25 de Setembro
de 2001
Por Clara Teixeira
"Uma sociedade só está viva quando há
pessoas que correm o risco de abrir negócios e de fechá-los",
diz o ex-director da "Ideias & Negócios".
Daniel Deusdado foi director da revista "Ideias
& Negócios" durante três anos e meio
e, durante esse tempo, conheceu e escreveu sobre muitas histórias
de empreendedorismo em Portugal. Ele próprio é
um empreendedor. Depois de mais de dez anos a fazer jornalismo
por conta de outrem - muitos deles na secção
de economia do PÚBLICO, de que foi fundador -, despediu-se
e criou uma empresa chamada Farol de Ideias, que presta serviços
de jornalismo económico. "Foi uma questão
de coerência. Dispus-me a correr mentalmente o risco
de que um dia as coisas poderiam acabar mal. E chegou uma
altura em que, por muitas razões, concluí que
o melhor era sair [da 'Ideias & Negócios']".
É como quem está a aprender a andar de bicicleta,
e "sabe que não pode parar; se parar cai".
Já como consultor editorial do novo canal NTV do Porto,
Daniel Deusdado continua a pensar em novos projectos de jornalismo
económico: "Tento criar na minha empresa o modelo
económico em que acredito."
PÚBLICO
- O empreendedorismo pode ser um exercício de cidadania?
Daniel Deusdado - A criação de emprego
é um dom do qual as sociedades andam à procura.
Andam à procura de gente que abra horizontes, que inove.
Quem cria emprego é tido como uma pessoa de bem, por
causa do risco que assumiu criando postos de trabalho. Não
há nada pior, em termos sociais, que o desemprego.
Quem cria emprego dá uma dinâmica ao próprio
país.
P.
- O desemprego é um problema que Portugal não
conhece em profundidade há alguns anos. Qual é
o estímulo para que as pessoas corram riscos, se a
grande maioria tem emprego?
R. - O momento certo para que o empreendedorismo seja
feito com sucesso é quando as economias estão
com força e o desemprego em baixa. Porque não
se foi despedido, porque se está numa empresa que está
a crescer, a dar prémios. Quando há desemprego
toda a gente é tentada a fazer esse caminho.
P.
- Qual é então o incentivo para que qualquer
um de nós se torne empreendedor, quando se tem um emprego?
R. - É a automotivação interior.
É muito difícil suportar uma situação
de emprego em que as nossas qualidades não são
utilizadas, em que estamos cansados de ir e vir todos os dias
do mesmo sítio, em que não reconhecemos competência
a quem nos chefia, quando sabemos que a médio prazo
estaremos na prateleira ou despedidos. O empreendedorismo
não tem menos riscos, mas dá à pessoa
a sensação que controla o seu próprio
destino.
P.
- Como é que se definem os empreendedores portugueses?
Que situação vivem, que idade têm, que
meios financeiros e o que é que os faz tornarem-se
empreendedores?
R. - A maioria dos empreendedores nasce no fim da vida
universitária, numa idade que vai até aos 30
anos. Depois há um ciclo negro para quem quer criar
empresas, que vai dos 30 aos 40 anos, porque é a altura
em que muitos compram casa, casam e têm filhos, e por
isso sentem-se inibidos de porem em risco o bem-estar da família.
Só vão fazer isso aos 40 ou 50 anos, porque
foram despedidos ou maltratados. São estes dois grupos
que geram o empreendedorismo, e tanto podem criar o seu negócio
caseiro, trabalhando em casa, como um grande negócio
de inovação, aliados ou não a grandes
grupos económicos.
P.
- Portugal é um país de empreendedores? Primeiro,
o que é um empreendedor?
R. - Empreendedor é quem rompe com um certo
"status quo" de segurança psicológica
face ao empregador, mesmo que seja para abrir uma padaria.
Pessoas que se dispõem a correr o risco de hoje ter
dinheiro e amanhã não ter, de criar o seu negócio
e de fazê-lo vencer, mesmo que seja apenas o melhor
da sua rua. Uma sociedade só está viva quando
há pessoas que correm o risco de abrir negócios
e de fechá-los. Todas as estatísticas mostram
que são mais as empresas que nascem e que morrem do
que as que sobrevivem.
P.
- Está a defender que é tão empreendedor
quem monta uma padaria como quem monta um negócio inovador
a nível tecnológico...
R. - Existem empreendedores de nação
e existem empreendedores de bairro, da sua rua. A inovação
e a qualidade é que determinam o empreendedor, que
deve ser distinguido do empresário. O empresário
criou um negócio e faz a sua gestão, alimentando-o
nos moldes em que o conheceu, enquanto o empreendedor está
sistematicamente a fazer rupturas no próprio negócio
ou a abrir novos negócios.
P.
- Somos então um país de empresários,
e não de empreendedores...
R. - Somos de facto um país mais de empresários
que de empreendedores. No momento em que se rompe com algo
e se cria alguma coisa, é-se um empreendedor. Mas quando
se estabiliza e se adopta uma determinada postura de mercado,
em que se alinha pela média e se é apenas mais
um, então é-se um empresário.
P.
- Como é que se pode incentivar o empreendedorismo
em Portugal? É uma responsabilidade do Estado ou dos
próprios cidadãos?
R. - A capacidade de sermos exigentes connosco próprios
vem praticamente desde o berço. O contexto nacional
e as discussões que o sistema político tem lançado
não estão a ajudar rigorosamente nada para que
haja sentido de inovação e de empreendedorismo
individual. Se há um problema numa empresa, pensa-se
no que pode ser feito para evitar que ela feche. Dá
a sensação de que há sempre alguém
que acode, com dinheiro.
P.
- E em geral há...
R. - Mas o dinheiro não é infinito. Quando
o Estado deixar de ter dinheiro para acorrer a fogos, as pessoas
ainda estarão meio anestesiadas, com a ideia de que
o subsídio de desemprego vai chegar. É uma coisa
muito brutal, mas penso que a forma mais eficaz de fomentar
o empreendedorismo é a falta de protecção
social. Ficarmos desempregados é muito duro, mas se
a protecção social for menor isso vai espicaçar
as pessoas a criarem outras oportunidades. Ora, eu não
acho que esta deva ser a receita, e friso bem isto, porque
é brutal. Mas foi a falta de protecção
social que gerou força e inovação nos
Estados Unidos.
P.
- O conceito de empreendedor esgota-se na criação
de emprego?
R. - Os empreendedores não devem ser apenas
criadores de emprego, mas sim agregadores de emprego. Cada
pessoa pode dar o seu contributo individual criando uma empresa,
mas uma empresa não é apenas uma estrutura,
um líder e não sei quantas pessoas por baixo
a trabalhar. São pessoas que se auto-organizam, com
mais ou menos capacidade e com mais ou menos dinheiro, para
fornecer produtos de uma forma quase cooperativa.
P.
- A indústria automóvel serve de exemplo?
R .- O das consultoras é melhor. Quando há
um projecto, vão-se buscar determinadas competências.
É como um consórcio, que vai buscar os melhores
especialistas de cada uma das áreas. Isso é
pago pelo cliente final por um bom preço, porque resulta
de uma reunião de competências, e os lucros são
repartidos entre todos os que participaram. É uma repartição
mais justa, mas também mais arriscada. É mais
justa porque cada um recebe mais, mas é mais arriscada
porque depois deste trabalho pode não haver outro.
O que é pago não é o tempo que uma pessoa
despende, numa sala de uma empresa, mas sim aquilo que realmente
faz e a sua competência.
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