Um País Avesso ao Risco
Por Clara Teixeira
Segunda-feira, 24 de Setembro de 2001
O Estado tem falhado e o mercado também.
É o que dizem os estudos para explicar por que razão os portugueses
são tão pouco empreendedores. O sistema de ensino não ajuda.
Mais de um terço dos empreendedores nacionais são também trabalhadores
por conta de outrem.
O empreendedorismo é
um conceito que envolve iniciativa, capacidade de inovação,
descoberta e... assunção do risco. Portugal
é um país avesso ao risco, e como se conclui
de seguida, essa espécie de estigma sócio-cultural
condiciona o aparecimento e a formação dos empreendedores
em Portugal. Dados recolhidos no segundo semestre de 2000
pelo Observatório da Criação de Empresas,
um projecto que funciona na órbita do IAPMEI - Instituto
de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao
Investimento, indicam que mais de um terço dos empreendedores
inquiridos são "trabalhadores por conta de outrem".
Estamos, portanto, na presença de indivíduos
que aceitam correr um risco, ao apostar no desenvolvimento
de uma ideia própria para um negócio, mas que
não abdicam de um emprego certo, pelo menos até
que as suas empresas entrem em velocidade de cruzeiro.
Os dados do Observatório revelam
ainda que, em 83 por cento dos casos, os empreendedores mostram-se
satisfeitos com a sua situação profissional,
e que só 46 por cento do total afirma querer dedicar-se
a tempo inteiro à sua empresa. Dos restantes inquiridos,
dois terços esperam vir a ocupar-se integralmente do
seu negócio apenas quando os resultados o permitirem
o que, segundo o estudo, "pode denotar alguma aversão
ao risco", ou então uma "reduzida capacidade
para arriscar". Da análise do IAPMEI, conclui-se
que uma grande parte dos empreendedores são reincidentes:
44 por cento dos entrevistados "já foram empresários
anteriormente", e 66 por cento continuam a ser sócios
de outra empresa.
Este retrato tipo do empreendedor luso
mostra que a sua idade média ronda os 35 anos, e que
um terço do total das novas empresas são constituídas
por mulheres. A maioria dos indivíduos é casada
(66 por cento), tendo como habilitações literárias
o ensino secundário (27 por cento) ou uma licenciatura
(21 por cento). Quase metade afirma que a ideia do negócio
foi da sua autoria, e cerca de 80 por cento recorreu ao aconselhamento
junto de terceiros para aferir da exequibilidade do negócio
em mente. O cônjuge, mas também a família
e os amigos são os conselheiros mais procurados, seguidos
dos potenciais clientes e fornecedores. Entre a gestação
da ideia e a criação da empresa que a vai executar,
decorreu, em 40 por cento dos casos, mais de um ano.
Ambições fracas
As empresas analisadas pelo Observatório do IAPMEI
nascem com ambições fracas. Apresentam em média
dois sócios, e em mais de 50 por cento dos casos os
seus fundadores estão unidos por laços familiares.
O investimento médio previsto é de 27 mil contos,
o valor julgado necessário para a compra de equipamentos,
instalações e constituição de
um fundo de maneio, e ao fim do primeiro ano de actividade
a facturação esperada é inferior a dez
mil contos. Em média, cada uma das novas empresas vai
criar até cinco postos de trabalho, nesse primeiro
ano de funcionamento.
Como acontece sempre que se analisam
estatísticas, as médias escondem porventura
a existência de uma nova classe de empreendedores em
Portugal, surgida na segunda metade dos anos 90, que terá
encontrado o seu campo de actuação em novos
modelos de negócio, como o "franchising"
ou as redes de subcontratação resultantes de
acções de "outsourcing" levadas a
cabo pelas grandes empresas industriais e de serviços.
Mas terá sido a dinâmica,
no passado recente, das tecnologias de informação
(TI's), em Portugal e no mundo, o factor que mais contribuiu
para o aparecimento dessa nova geração de empreendedores.
Muitas empresas foram entretanto vendidas ou encerradas, e
outras debatem-se neste momento com falta de financiamento.
Quer o seu grau de sucesso tenha sido maior ou menor, a pressão
dos novos empreendedores sobre os poderes instituídos
fez com que o Estado tivesse começado a dedicar mais
atenção ao assunto, nomeadamente através
da análise das "falhas" no conjunto de estímulos
ao empreendedorismo.
Um estudo coordenado por Augusto Mateus
e Jaime Andrez, do CISEP, concluído em Julho de 2000,
identifica "uma interacção de sucessivas
'falhas' de Estado e 'falhas' de mercado" em Portugal,
onde "não existe uma política nacional
visando criar, a todos os níveis, um ambiente social
e institucional capaz de gerar capacidades empreendedoras
no cidadão português, principalmente no jovem".
Uma dessas maiores lacunas manifesta-se no sistema de ensino,
onde não há lugar à promoção
do empreendedorismo, mas conclui-se que a cultura dominante
no tecido empresarial também não estimula a
inovação nem a iniciativa, o mesmo se podendo
afirmar da actuação dos bancos e das empresas
de capital de risco, nem sempre sensibilizadas para acompanhar
os diferentes estados de evolução das empresas
recém-nascidas.
Ao jovem empreendedor, resta portanto
confiar nas suas qualidades intrínsecas de inovação,
perante a existência de uma cultura dominante que se
mostra avessa ao risco e pouco tolerante para com o insucesso
empresarial.
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