As Escolas Têm de Ter Cada
Vez Mais Autonomia
Por Alexandra Sanchez
Domingo, 23 de Setembro de 2001
Em matéria de ensino, o diagnóstico
está feito há muito. Sabe-se onde estão
as dificuldades e o que se deve fazer para combatê-las,
diz Luísa Beltrão, professora, autora de um
livro editado no ano passado sobre "O desafio da cidadania
na escola". Nas leis até estão vertidas
algumas dessas ideias, o problema é que "os actores
não se apropriam delas". Nomeadamente os professores.
Começarão os problemas de ensino por ser um
problema de cidadania participativa?
Luísa Beltrão dá
o exemplo da revisão dos currículos do ensino
básico e secundário. Foi um processo longo,
lançado há anos pelo Governo, que envolveu muitas
reuniões nas escolas. "Pediu-se aos professores
para participarem, foram pessoas às escolas para falarem
do assunto. Foram dadas todas as condições,
alguns até foram às reuniões, os programas
foram postos na Internet... mas eles não se pronunciam
ou pronunciam-se pouco. As pessoas não estão
habituadas a participar".
Por isso, a revisão fez-se, decidiu-se
e agora diz-se aos professores para aplicá-la. E Luísa
Beltrão quase adivinha o que vem a seguir: "Os
professores dizem que isto não se pode fazer assim
e alguém lhes responde que ser feito. E eles fingem
que fazem". Resultado: uma vez mais, as mudanças
"no papel" têm o destino traçado -
"não se aplicam".
Professores que ensinam manuais
Segundo exemplo: "Em vez de desenvolverem
as suas capacidades, em vez de se motivarem para perceberem
melhor o mundo e aprenderem a resolver os problemas, os alunos
memorizam uma data de conteúdos que não integram.
É que os professores têm uma preocupação
enorme: dar a matéria, mesmo quando os alunos não
estão preparados". Comodismo, ou simplesmente
medo do exame nacional que os miúdos vão acabar
por fazer, onde pode sair qualquer parte da matéria?
Beltrão não arrisca uma
resposta única, "talvez as duas coisas".
O que é certo é que "os professores não
ensinam programas, muitos nem os leram, nem se preocupam se
os conteúdos servem para o desenvolvimento cognitivo
dos alunos. Ensinam manuais. E os alunos decoram". Uma
vez mais, o resultado não é o melhor: os alunos
chegam à matemática e "valem-se dos mesmo
tiques que utilizam nas outras disciplinas". Só
que na matemática a memória não chega
e são as médias nacionais que se vêem.
Por estas e por outras, Luísa
Beltrão defende que, se se quer melhorar a qualidade
do ensino, é fundamental que o Estado dê mais
autonomia às escolas. Porque "não há
governante nenhum, por mais iluminado que seja, que resolva
o grande problema": a necessidade de as escolas, elas
próprias, reflectirem "os seus alunos", tentarem
soluções, "reponsabilizando-se".
"Cada professor deve ser capaz de
pensar por si próprio e em conjunto com a comunidade
e os pais". Porque, continua, "em cada escola os
problemas são diferentes", em "cada turma
até", e por isso mesmo devem ser as escolas a
arranjar as soluções específicas. "A
educação deve ser pensada em termos comunitários.
A escola tem de se tornar uma comunidade educativa e nessa
perspectiva os governantes devem colaborar no sentido de descentralizar
o mais possível", insiste.
É claro que "o Governo tem
de criar condições" para as escolas se
autonomizarem . "Por exemplo, como é que se pode
fazer a interdisciplinaridade, de que tanto se fala, se os
programas estão todos desfasados uns dos outros e cada
disciplina funciona como uma ilha? Se os autores dos programas
se juntassem e pensassem os conteúdos curriculares
como um todo, seria fácil".
"Tem de haver confiança,
o Estado tem de confiar". A professora não promete
resultados rápidos, que "em educação
as mudanças demoram muito tempo a sentir-se",
mas se os professores se sentirem responsabilizados e motivados
"farão cada vez mais", acabarão por
superar as dúvidas sobre, por exemplo, chamar os pais
- e Luísa Beltrão acredita que os pais vão
à escola se se acabar com uma certa animosidade que
ainda existe entre estes e a classe docente, "mais por
culpa dos professores" do que das famílias. A
escola acabará, assim, por transformar-se naquilo que
deve ser nos dias de hoje - "um local de educação
global e não apenas de instrução".
A avaliação dos estabelecimentos
de ensino - que agora dá os primeiros passos - e a
dos professores - que, por enquanto, "ainda dá
vontade de rir" - surgirá naturalmente se a escola
funcionar numa comunidade onde todos têm voz. E há
muito a fazer neste capítulo, vai dizendo: a escritora
não percebe, por exemplo, que "um professor que
faz imenso e um professor que não faz nada sejam tratados
quase da mesma maneira".
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