O Fisco Mal-amado
Por Carlos Pessoa
Sexta-feira, 28 de Setembro de 2001


Ninguém gosta de pagar impostos, mas sem eles nenhuma sociedade moderna conseguiria funcionar ou mesmo existir. No confronto com a evasão fiscal, a arrogância da administração, a injustiça tributária, a legislação confusa e o sentimento de uma má aplicação dos dinheiros públicos, o contribuinte tem uma margem estreita de direitos.

Poucas coisas são tão mal-amadas pelos cidadãos como os impostos. É uma convicção generalizada que as receitas do Estado são mal aplicadas. Que os contribuintes se encontram desprotegidos face à "máquina" tributária e que esta faz mal o seu trabalho. Que a evasão fiscal é prática corrente. Que a administração é arrogante e os tribunais são lentos na resolução dos casos. Em síntese, o sistema é tão mau que pagar os impostos devidos é visto, por muitos, como uma suprema injustiça a que só não escapa quem não consegue fazê-lo...

"Nós ainda valorizamos o espertalhão, aquele que não paga impostos e se gaba disso", reconhece João Espanha, jurista que trabalha na área fiscal. O problema, acrescenta, é que "quanto mais o meu vizinho foge a pagar os seus impostos, pior para mim, porque o Estado tem que ir buscar as suas receitas a algum lado". Ou seja, "a interiorização do conceito de cidadania neste domínio não está amadurecido na sociedade portuguesa".

É certo que a lei fiscal prevê a figura da denúncia e protege o denunciante das situações de incumprimento. Mas quantos portugueses se sentirão bem no papel de "colaboradores" da administração fiscal que é vista como uma espécie de "inimigo público nº 1" dos cidadãos?

A defesa do não pagamento de impostos - ou, pelo menos, a manifesta má vontade com que se olha para a parcela dos rendimentos que segue directamente para os cofres do Estado - encontra um terreno fértil em justificações. Com efeito, é fácil discordar do modo como o nosso dinheiro é aplicado pela administração pública - basta olhar para as sucessivas coberturas do défice de empresas como a TAP ou a RTP com dinheiros públicos, por exemplo.

Outros argumentarão que a máquina fiscal não trabalha convenientemente, e que está sempre disposta a "reabilitar" os contribuintes faltosos - veja-se o caso do chamado Plano Mateus. Além disso, muitos dos seus quadros e funcionários estão tecnicamente mal preparados e informados para responder com eficácia e rapidez às necessidades dos contribuintes. Face a esta realidade, é inevitável a sensação de impunidade instalada em todos os níveis do tecido social, a começar pelos que pagam os seus impostos a tempo e horas.

Para quem trabalha "por dentro" na problemática tributária, os problemas colocam-se de outra forma. "O Estado legisla muito e mal", sustenta João Espanha. Um bom exemplo: as recentes alterações da lei em matéria de IRS e IRC. "Foi pior do que não ter feito nada. Estas matérias não são referendáveis nem negociáveis, mas como foi isso que aconteceu na Assembleia da República, o resultado final só podia ser uma desgraça e uma enorme confusão."

Por outro lado, o Estado-administração está mal preparado para gerir as relações com os contribuintes. Há excepções, claro, como os serviços centrais do IVA - "tecnicamente, muito bons", afirma.

Diferentes serviços, diferentes respostas
Os pedidos de informação prévia e vinculativa à administração fiscal nunca obtêm resposta, a descoordenação entre serviços é grande - um pedido de informação de um contribuinte pode ter três respostas diferentes em outros tantos serviços fiscais - e as reclamações ficam sem resposta. Em particular, os profissionais temem os efeitos de uma "prática terrível" mas também indispensável ao exercício da sua actividade: é o chamado "direito circulatório", que se traduz na elaboração de normas interpretativas das leis, vinculativas para os próprios serviços. Com uma natureza idêntica à das normas regulamentares, mas para fins internos, só estão acessíveis à administração tributária e a alguns profissionais. Frequentemente, contêm orientações contrárias à própria lei, mas sem elas muitas vezes os profissionais do sector não saberiam como responder aos seus clientes.

O último elo desta cadeia são os tribunais. Já este ano saíram da alçada do Ministério das Finanças, o que é considerado uma medida positiva. Agora, o contribuinte tanto pode reclamar para os serviços de finanças como apresentar o seu caso directamente nos tribunais fiscais, ganhando com isso algum tempo. No entanto, muitos juízes continuam a revelar-se mal preparados e as suas decisões são, com frequência, tardias e más. Além disso, não são passíveis de recurso, a menos que se avance para o pedido de inconstitucionalidade. Tudo somado, "o cidadão só pode sentir-se frustrado e inseguro, pois um processo nunca leva menos de cinco anos a ser resolvido, e na condição de, entretanto, tudo correr bem", conclui João Espanha.

O que pode o cidadão fazer face a tudo isto?

"Não ficar calado", responde aquele jurista. "O Estado tem de dar conta do modo como são gastos os impostos. Por isso, o contribuinte tem que se exigir que ele funcione bem."

No mesmo sentido se pronuncia António Ernesto Pinto, fiscalista da Edideco, editora das revistas de consumidores "Pro Teste" e "Dinheiro & Direitos": "Quando está convicto dos direitos que lhe assistem, o cidadão deve reclamar o mais depressa possível, pois há prazos a considerar." O recurso ao Defensor do Contribuinte, criado em 1996 e em funcionamento desde 1999, é outra possibilidade: "Embora os seus pareceres não sejam vinculativos, têm dado uma ajuda importante, pois alguns têm sido respeitados pela administração."

 

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