Combata-se a Delinquência, Não Os Delinquentes
Por Daniel Rijo*
Quinta-feira, 13 de Setembro de 2001

A delinquência juvenil tem sido uma das temáticas mais tratadas nos "media" nos últimos anos, por vezes em trabalhos extremamente bem realizados. Alguns esforços têm sido tentados para lutar contra este fenómeno que, como sabemos, tem vindo a assumir proporções assustadoras nalgumas áreas geográficas. No entanto, mesmo quando determinada medida chega a ser implementada, na realidade, revela-se habitualmente ineficaz face ao pretendido e os resultados alcançados raramente são divulgados de forma clara. A delinquência juvenil não tem sido alvo de uma verdadeira política de intervenção, rigorosa na definição de objectivos a alcançar e nas propostas para o conseguir. Daí que, circularmente e ainda hoje, seja notícia. Como tem sido inúmeras vezes demonstrado, as causas da delinquência juvenil são diversas e devem ser analisadas a vários níveis.

Muito há a fazer para sinalizar casos de crianças com comportamento anti-social e para prevenir o agravamento do que pode vir a tornar-se num verdadeiro distúrbio de conduta ou, mais tarde, numa personalidade anti-social. Como é sabido, a delinquência é o resultado de uma escalada de aprendizagem de comportamentos anti-sociais, com um início muito precoce (por volta dos três anos de idade). Mas, para isso, seria necessário dotar as escolas de uma rede técnica de apoio competente e especializada. O caso específico da delinquência é por de mais complexo para que possa ser eficazmente combatido por não especialistas, e os professores dos diversos ciclos do ensino básico bem o sabem. Por um lado, sentem-se na obrigação de sinalizar e ajudar os alunos com problemas de comportamento; por outro lado, sentem-se frequentemente impotentes para o fazer e não dispõem de técnicos especializados que possam apoiar a instituição, os alunos em causa e as respectivas famílias. Na nossa realidade, regra geral parece ocorrer o oposto, ou seja, muitas crianças com um comportamento agressivo evidente vão progredindo no sistema escolar, agravando os seus problemas de comportamento sem que nenhuma intervenção especializada ocorra. Nalguns casos, quando a instituição escola já não sabe como lidar com eles, surge a solução miraculosa da expulsão e transferência para outra instituição que, não resolvendo o problema do aluno, resolve certamente o da escola. Não se entenda isto como uma crítica às escolas mas à falta de meios e de recursos de que dispõem.

Ainda ao nível da prevenção, é importante referir que existe experiência acumulada de programas de promoção do comportamento pró-social que têm sido utilizados com sucesso considerável em diversos países. O Canadá é, nesta área, um exemplo a seguir na abordagem séria que faz da prevenção e reabilitação de jovens delinquentes. No caso português, em nosso entender, é urgente o aumento do número de especialistas nesta área - psicólogos, professores e técnicos de serviço social - que possam lidar eficazmente com o fenómeno da delinquência a vários níveis. A nossa experiência tem mostrado que a formação dos professores para o despiste e compreensão do comportamento anti-social, bem como para a promoção do comportamento pró-social, é um tema de interesse para esta classe. Mas a prevenção é apenas um dos momentos da escalada da delinquência. E a reabilitação daqueles que, de forma redundante, incorrem em comportamentos anti-sociais?

Do ponto de vista da saúde mental, o que designamos como delinquência é considerado um distúrbio mental, mais especificamente um distúrbio de comportamento ou, em casos mais graves, um distúrbio de personalidade anti-social. Diversos esforços têm sido feitos para desenvolver e testar programas de reabilitação de delinquentes. Os desafios mais promissores são os programas de intervenção baseados nos modelos de processamento de informação social. A investigação tem demonstrado claramente que os factores cognitivo-sociais desempenham um papel importante na génese e manutenção do comportamento anti-social. Assim, o que deve ser foco de intervenção na reabilitação dos jovens delinquentes são os seus sistemas de crenças acerca de si próprios e dos outros, bem como as regras que delas derivam e que orientam o seu comportamento social. Idealmente, a reabilitação passa pela experiência de relações interpessoais significativas que permitam desenvolver novos modos de percepcionar o comportamento do outro em relação a si, procurando desconfirmar as suposições e regras acerca do comportamento social aprendidas no seu meio de origem. É preciso não esquecer que o comportamento agressivo ocorre em função de uma escalada de processos e não unicamente em função de uma única variável. Na sua génese está habitualmente um meio familiar e social extremamente deteriorado - este é um dos níveis de intervenção - que não cuida, não orienta a criança nem educa para os limites. Como se não bastassem estas lacunas, a criança aprende uma série de regras de comportamento em sociedade às quais, embora anti-sociais, deve obedecer para garantir a sua sobrevivência. Os delinquentes estão desadaptados em relação às regras que regem o comportamento social da maioria das pessoas mas francamente adaptados às realidades sociais do seu meio de origem e desempenham correctamente o comportamento necessário para sobreviver e serem aceites nesse meio. Por isso, de pouco serve retirar um jovem do seu meio de origem alguns anos se, mais tarde, ele tem que voltar a esse mesmo meio e tornar a comportar-se de acordo com as regras instaladas. Entre estas e a estrutura básica da sua personalidade gera-se uma série de interacções que reforçam sistematicamente uma maneira distorcida de ver os outros e o mundo, subjacente ao comportamento anti-social que exibem.

Actualmente, as ciências sociais em geral e a psicologia em particular fornecem bons instrumentos de análise e compreensão da delinquência. No entanto, quão longe estão das abordagens científicas muitas das instituições que, no nosso país, se denominam de acolhimento e reabilitação de jovens marginalizados, muitos deles delinquentes. Quão distantes as instâncias políticas de uma estratégia séria cujo objectivo seja verdadeiramente o combate à delinquência e não aos delinquentes.

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

* Psicólogo clínico - psicoterapeuta


 

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