Ruptura Familiar e Desenraizamento Cultural Explicam Fenómeno
Por Ricardo Dias Felner
Terça-feira, 11 de Setembro de 2001


Existem duas tendências de estudo quando se procura explicar as causas da delinquência juvenil, não obrigatoriamente contraditórias. Uma, mais abstracta, que se concentra nas razões psicossociais para a prática da delinquência; outra, fundada sobretudo na geografia das cidades, e nas estatísticas policiais, destinada sobretudo a fazer um levantamento do problema num determinado tempo e espaço. De ambos se infere que o alheamento familiar e o desenraizamento cultural tem importância primordial na formação da personalidade delinquente.

Os laços parentais e a escola aparecem normalmente como espaços de grande importância para o desenvolvimento do delinquente. Alguns estudos relacionam de forma inequívoca a quebra dos laços parentais - onde assume particular importância a ausência física e relacional do pai - e o desinteresse pela escola enquanto lugar de aprendizagem, com os percursos desviantes.

No seu artigo "Delinquência: privações psicossociais na primeira e segunda infância", a psicóloga Sara Cristina Lopes, salienta a constância do "desaparecimento" do pai na amostra que estudou, constituída por 45 jovens do sexo masculino com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos, que cumpriam pena privativa de liberdade no Estabelecimento Prisional de Leiria.

A investigadora definiu os pais como pertencendo a um baixo estrato sócio-económico: o pai, em média, tem 49 anos, um grau de instrução ao nível do ensino básico incompleto, e emprego num sector de actividade ligado ao pessoal operário e da construção civil; a mãe tem 45 anos, baixo grau de escolaridade, e trabalha ou nos serviços domésticos ou na hotelaria.

Face a um ambiente familiar desestruturado ou simplesmente inexistente, a escola funciona normalmente como um local de escape, o sítio onde o jovem "projecta os conflitos e dificuldades de adaptação sobre o professor", refere ainda a psicóloga. Neste contexto, os conteúdos programáticos parecem não aliciar os jovens, que recorrentemente faltam às aulas, apenas se servindo da instituição como ponto de encontro e local de manifestação das frustrações familiares. Sara Cristina Lopes acrescenta, contudo, poder e dever ser esse um lugar incontornável na integração da criança ou do adolescente - suprindo as falhas da família, exercendo terapia, dando um rumo que permita a aprendizagem, oferecendo "condições que permitam o crescimento do indivíduo".

No segundo tipo de abordagem, aparece concretizado o mapa da violência juvenil e grupal, com destaque para as periferias de Lisboa, de Setúbal, e do Porto. Na origem do crescimento da delinquência, assumem protagonismo os imigrantes,

De acordo com um relatório do gabinete da Procuradoria Geral a República, a imigração oriunda das antigas colónias, depois do 25 de Abril, bem como a migração de população do interior do país, estão na génese da delinquência juvenil que se verificou nos últimos dez anos. "Este fluxo súbito criou um desenraizamento cultural e social e em termos económicos um aumento do desemprego com as suas inevitáveis consequências", conclui o autor. O relatório identifica a violência grupal, sobretudo com a segunda geração de africanos, "nascidos e criados nos bairros, adoptando a liberdade como sua, influenciados pela "americanização" da cultura europeia, a que Portugal não foi alheio, e vítimas da sua própria cultura bairrista".

Na primeira fase do fenómeno, prossegue o relatório, destacam-se os actos de vandalismo, os roubos a transeuntes, as agressões físicas; numa segunda fase sobressai um "espírito grupal mais vincado", a especialização em determinado tipo de crime, bem como a utilização de armas.

 



   

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