Palavra de Cidadãos
Domingo, 7 de Outubro de 2001


Francisco Garcia dos Santos
Economista, Presidente da Associação Portuguesa de Corretores e da corretora Fincor
"O combate à corrupção passa pela limitação preventiva dos cenários que a propiciam. Assim, sublinho a indispensável diminuição da burocracia e a redução drástica da intervenção do Estado na esfera económica". Garcia dos Santos defende que só com a redução da presença do Estado se podem "modificar as condições que motivam os actos de corrupção" e assim combatê-los de forma eficiente. No sector público, onde a propriedade é difusa, é também onde mais facilmente surgem actos de corrupção. Por isso, quanto mais limitada for a intervenção do Estado, ou seja, quanto menos regulamentação houver, menos oportunidades há para que surjam corruptores e corrompidos. Garcia dos Santos exemplifica: se o cidadão não tiver de enfrentar obstáculos no licenciamento de uma obra particular não sofrerá a tentação de corromper. Assim como não o fará também se a burocracia for limitada ao mínimo indispensável, mas se ela for "kafkfiana" a situação é completamente diferente.

O economista reconhece que no sector privado a corrupção também existe e "provoca distorção dos mecanismos de concorrência". No entanto, considera que "as empresas privadas, com têm contornos de propriedade mais bem definidos, detêm processos de controlo mais eficazes no combate à corrupção".

Garcia dos Santos defende ainda que "o acto praticado pelo corrupto é crime contra a propriedade, enquanto o praticado pelo corruptor deve ser sancionado apenas no plano moral e ético. De facto, o corruptor paga para retirar vantagens de mercado, mas não atenta por esse motivo contra a propriedade de terceiros". Na sua opinião, a organização coerciva da sociedade contra os corruptores, ostracizando-os, pode ser mais punitiva do que a criminalização legal.


Ilídio Louro, 29 anos
Arquitecto

Talvez ninguém se lembre. Foi em Junho, à beira do calor, do sol, de umas merecidas férias de Verão. A ONU anunciava então que Portugal era considerado o país mais corrupto da União Europeia. Sem rodeios nem maniqueísmo, com base em dados estatísticos fornecidos pelos próprios estados ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Enfim, o estudo deixava a Itália de fora, por alegada falta de informação sobre o problema neste país... o que nem é grande consolação. A verdade é que, na altura, o que me deixou verdadeiramente suspreendido foi a reacção do primeiro-ministro, António Guterres. Não, não, não, nada disso, dizia Guterres, o que era de assinalar nesse Relatório do Desenvolvimento Humano era o facto de Portugal ter uma das mais baixas taxas de criminalidade da Europa comunitária. Menos crime do que o Reino Unido, a França ou mesmo a Itália! Claro que a lógica aqui não é chamada a depôr. "Crime de colarinho
branco" deve ser uma expressão idiomática para os responsáveis políticos deste governo. Pois é, aparentemente, Portugal continua a ser um paraíso.

Tal como nos tempos aúreos do Cavaquistão, o oásis ainda é aqui. Um belo pedaço do deserto de ideias europeu, onde podemos todos descansar, calmamente, à sombra de um coqueiro. Até porque ninguém nos irá importunar com essas chatices de clientelismo, caos admnistrativo, crise da justiça, financiamento partidário, fuga fiscal, capitais "off-shore", e outros que tantos. O primeiro-ministro é que tem razão: com tão poucos criminosos detectados neste país, os nossos problemas são com certeza outros. E o cidadão comum fica até a pensar se não será mais inteligente "meter uma cunha", como "toda a gente", e andar com a sua vida para a frente. Rumo ao próximo relatório irrelevante.


 

   

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