Legislar Não Basta para Combater
a Corrupção
Por
Luis Sousa*
Domingo, 7 de Outubro de 2001
O problema do combate à
corrupção política em Portugal não
é simplesmente legislativo, mas de convicção...
e de ética! Hoje, Portugal dispõe dos mesmos
instrumentos de combate existentes noutras democracias Europeias,
contudo, demonstra-se incapaz de conter a vaga de escândalos
que têm envolvido a classe política e os partidos
desde os finais de 80.
A resposta portuguesa à moralização
da vida política tem sido paradigmática: por
um lado, a adopção de instrumentos repressivos,
que não passam de "leões sem dentes",
por outro, a adopção de medidas de controlo
"cosméticas", que em nada mudam os hábitos
e comportamentos impróprios que visavam coibir.
A acção repressiva dos
crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos
que vieram a ser introduzidas pela Lei 34/87, tem sido precária
e incapaz de actuar como um sistema de integridade que vise
a prevenção de novas manifestações.
A aplicação diferenciada e ineficaz do crime
de corrupção, em relação aos detentores
de cargos políticos, criou climas de impunidade e descrédito
na justiça. O crime de prevaricação,
que visava, sobretudo, combater práticas de favoritismo
na adjudicação de contratos públicos
ou na privatização de serviços, endereçava
os sintomas, mas falia em compreender os estímulos
e as estruturas de oportunidade que levariam os eleitos a
conduzir ou decidir, contra direito, um processo onde intervinham
no exercício das suas funções. É
que a prevaricação nos processos de decisão
públicos, uma manifestação tão
comum na nossa administração local, ocorre num
contexto onde os custos morais impostos ao detentor do cargo
político são baixos. As populações
locais toleram estas manifestações enquanto
os eleitos mostrarem "obra feita". As clientelas
esperam ser gratificadas à posteriori pelo apoio financeiro
eleitoral prestado. E os custos para o eleito são irrisórios:
só as decisões contra direito são puníveis,
o que equivale a afirmar que, desde que não haja uma
distorção objectiva e comprovada do processo,
o enriquecimento impróprio do eleito é salvaguardado!
Veja-se, também, o crime de tráfico de influências,
introduzido no nosso código penal em 95, com o intuito
de combater a promiscuidade crescente entre a esfera pública
e privada, mas propositadamente desprovido de uma norma de
acção adequada no combate às práticas
de "lobbying" ilícito pelos detentores de
cargos políticos, aos níveis ministerial e parlamentar.
Mas as lacunas e falta de harmonização
dos instrumentos repressivos são só parte do
problema. As dificuldades e insuficiências por vezes
apontadas pelos magistrados em relação aos instrumentos
de combate à sua disposição, servem para
encobrir o conservadorismo e a falta de determinação
que têm guiado a sua actuação, "vis-à-vis",
à esfera política.
No que diz respeito à adopção
de medidas de controlo, o interesse dos eleitos e dos partidos
tem prevalecido à transparência e honestidade
invocadas e a lei acaba por regular somente aquilo que a ética
é incapaz de resolver. O legislador alega facilmente
a deficiência de uma regulamentação, mas
não consegue explicar, elucidativamente, o que se pretende
com a nova reforma.
Foram necessárias 4 alterações
à lei de financiamento político de 1993, tudo
num período de 7 anos, para concluir que a classe política
e os partidos não sabiam gerir com probidade e distância
a influência do dinheiro na vida política. Contudo,
a decisão de banir os donativos das empresas, introduzida
pela reforma de 2000, não é a panaceia da moralização
do financiamento político no nosso país. Nada
impedirá as empresas de financiar candidatos e partidos
como mecanismo de livre acesso ao poder ou, ilegalmente, porque
as sanções são irrisórias, ou
ainda, por outros meios lícitos e perfeitamente tolerados
na sociedade portuguesa como, por exemplo, as consultorias
políticas.
No que respeita ao controlo da riqueza
dos titulares de cargos políticos e às regras
de conflito de interesses, a posição da classe
política foi sempre "corporativa", corroborada,
aliás, pela criação de mecanismos que
impediam a intrusão pública nos seus interesses
pecuniários sacros. Nunca existiu controlo público
das declarações patrimoniais mais antigas, pela
simples razão de que a lei instituiu o seu depósito
junto do Tribunal Constitucional, o qual negou, continuamente,
o seu acesso e escrutínio pelos media ou pelo cidadão
comum. Em relação às incompatibilidades
e impedimentos, proíbe-se, por lei, a excepção
à regra, como se verificou, por exemplo, nas várias
alterações sofridas pelo Estatuto dos Deputados.
A estratégia "tapa buracos" que daí
resulta, reflecte uma falta de vontade política em
separar o interesse público de interesses privados.
Infelizmente, a margem de tolerância
e indiferença da sociedade portuguesa em geral, sobre
esta matéria, é ainda suficientemente grande
para deixar à discrição da classe política
a iniciativa e o ónus da reforma. O poder político
detém ainda uma autonomia legislativa excessiva nesta
matéria, mas a sua visão do que é um
comportamento próprio ou impróprio na vida política
não é única e incontestável. É
necessário, por isso, que os legisladores tomem consciência
de não reduzir a sua acção à revisão
fugaz e cosmética de leis anti-corrupção,
mas que haja, por trás de cada iniciativa, uma cultura
política que rejeite e condene toda e qualquer situação
que comprometa os princípios de integridade, imparcialidade
e transparência inerentes ao exercício de um
cargo político. Senão, corre-se o risco de banalizar,
aos olhos da opinião pública, todo e qualquer
esforço legislativo de moralização da
vida política.
*Investigador do Instituto Universitário
Europeu de Florença
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