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Só Um Quarto dos Caos de
Corrupção Chegam a Tribunal
Por Eduardo Dâmaso e
Anabela Cunha Campos*
Sábado, 6 de Outubro de 2001
O número de casos de corrupção
julgados em Portugal quintuplicou, mas apenas um quarto dos inquéritos
registados chegam à barra dos tribunais
De uma "certa cultura de corrupção",
como dizia o ex-procurador-geral da República Cunha Rodrigues,
passámos à corrupção enquanto "problema
mais grave do país", como recentemente o descreveu António
Borges, economista e ex-vice-governador do Banco de Portugal. A
verdade é que no plano da acção das autoridades
judiciais e das estatísticas esta percepção
do fenómeno não é sustentada.
O número de processos-crime de corrupção
julgados em Portugal nos últimos 14 anos quintuplicou (ver
quadros). Segundo dados oficiais do Gabinete de Política
Legislativa e Planeamento (GPLP) do Ministério da Justiça,
o número de processos na fase de julgamento findos em tribunais
judiciais de 1ª instância passou de nove em 1986 para
46 (dado provisório) em 2000. A quantidade de arguidos julgados
por corrupção sofreu também um aumento substancial
durante o período analisado. Em 1984 foram apenas cinco e
em 2000 ascendiam já a 62 os acusados de corrupção.
Dos arguidos dos últimos 15 anos, em média, 65 por
cento acabaram por ser condenados.
Os dados do GPLP indicam, porém, que,
durante a última década, apenas um quarto dos crimes
de corrupção registados pelas autoridades policiais
chegaram às barras dos tribunais. Em 1999, dos 353 crimes
de corrupção registados, só nove por cento
(32) foram julgados. Isto indicia um número de cifras negras
cuja dimensão ninguém conhece, mas, se tivermos em
conta a gravidade da percepção do fenómeno
em alguns discursos políticos e na convicção
vulgarmente expressa pelos portugueses em sondagens e outros estudos
de opinião, então a corrupção é
mesmo aquilo que todos conhecem mas ninguém viu.
Em Portugal, a palavra corrupção
tem vindo a crescer de importância no léxico dos cidadãos
e do Presidente da República. Nos seus discursos, Jorge Sampaio
tem demonstrado uma preocupação, invulgar em outros
dirigentes políticos, acerca dos problemas que afectam o
sistema político. Tem pedido reformas, exigido mudanças
legislativas e um novo padrão ético na política,
tem falado contra o cancro da corrupção e o dinheiro
sem dono visível que vagueia pelo financiamento dos partidos
e das campanhas.
O Presidente da República há
muito que pede um "pacto de coragem" aos partidos para
mudarem a lei de financiamento dos partidos, as regras das incompatibilidades
dos titulares de cargos políticos e que assumam a luta contra
a corrupção. Por esta altura, porém, Jorge
Sampaio já deve estar a ficar cansado da aparente surdez
que atingiu os partidos, leia-se o PS e o PSD, para mudarem uma
vírgula que seja na parte referente ao sistema político.
Já no que respeita à corrupção o actual
ministro da Justiça, António Costa, deu um passo importante
com o pacote legislativo que levou ao Parlamento no passado mês
de Setembro e que foi aprovado na generalidade. Costa acaba, pelo
menos, com o escândalo que era a incorporação
dos crimes de branqueamento e de tráfico de influências
na legislação portuguesa em termos tais que tornavam
quase impossível uma boa investigação.
Mas a reforma efectiva da legislação
e da máquina da administração fiscal é
considerada um passo essencial para melhorar o combate à
corrupção pelo inspector-coordenador Teófilo
Santiago, que já foi o número dois da Direcção
Central de Investigação de Corrupção,
Fraudes e Infracções Económico-Financeiras
(DCICFIEF). Este experiente quadro da Polícia Judiciária,
actualmente colocado no Brasil como oficial de ligação
às autoridades policiais brasileiras, aponta como prioritária
a melhoria da recolha e cruzamento de informação em
sede de IRS, IRC, IVA e de bens sujeitos a registo e tributação
por presunção de rendimento, ou seja, de quem apresente
sinais exteriores de riqueza.
Em declarações ao PÚBLICO,
Teófilo Santiago defende a eliminação do segredo
bancário e o cruzamento dos dados obtidos nas contas com
a informação fiscal. Aponta também a recolha
e tratamento da informação bancária transnacional
(ou, pelo menos, da que sai do espaço da União Europeia)
para efeitos fiscais, bem como a imposição de limitações
à actividade das sociedades com sede em "off-shores",
na linha dos que a generalidade dos governos europeus agora parece
querer fazer. Um exemplo: identificação obrigatória
das respectivas participações sociais até à
completa identificação dos sujeitos individuais que
as obrigam ou, noutra hipótese, a obrigação
da instituição de um representante que resida em Portugal
com poderes para representar a sociedade ou por ela responder.
Na perspectiva deste investigador, torna-se
ainda necessário excluir do âmbito das regras de protecção
do segredo profissional todos os advogados que realizem ou intermedeiem
operações financeiras e ainda uma inibição
efectiva do exercício de cargos por parte de entidades privadas
com interesses em áreas nas quais titulares de cargos políticos
anteriormente trabalharam e extensão deste princípio
a familiares.
Teófilo Santiago considera essencial
a atribuição à Polícia Judiciária
de poderes inspectivos e acesso à informação
fiscal e bancária nos precisos termos em que actualmente
eles são atribuídos à administração
fiscal na sequência da nova lei geral tributária, aprovada
pela reforma conduzida por Pina Moura e Ricardo Sá Fernandes.
No plano penal, Santiago defende que sejam atribuídos à
PJ poderes semelhantes aos da extinta Alta-Autoridade contra a Corrupção,
actualmente conferidos à Direcção-Geral das
Contribuições e Impostos e à Direcção-Geral
das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo. Por
fim, este quadro defende a revisão da medida da pena no crime
de corrupção, com especial atenção no
que respeita à corrupção para acto lícito.
Para compreender bem o caos que tem sido a
luta contra a corrupção em Portugal importa recuar
a 1993. Este foi um ano marcante na atitude do poder político
e do poder judicial em relação ao combate deste crime.
Houve julgamentos mediáticos, protagonismos inesperados de
juízes e magistrados do Ministério Público
e a corrupção passou a estar nas bocas do mundo.
Uma certa "cultura de corrupção",
expressão utilizada pelo então procurador-geral da
República, Cunha Rodrigues, no início desse ano de
1993, que começava a grassar na sociedade portuguesa, emergiu,
em definitivo, nos últimos anos do consulado cavaquista ao
ponto de levar o próprio Governo do PSD, a Polícia
Judiciária e o Ministério Público a elegerem-na
como o problema mais complexo do país. O diagnóstico
parece feito, os resultados é que continuam a ser poucos.
*com Paulo Correia
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