Cidadãos Queixam-se Pouco, e Fazem Menos, pelo Ambiente
Por Ricardo Garcia
Quinta-feira, 4 de Outubro de 2001


Nos últimos 10 anos, o país investiu milhões no ambiente, mas no dia-a-dia do cidadão há sinais evidentes de que há muita coisa que não está a funcionar bem, sobretudo nos aglomerados urbanos.

Eram 50 sugestões simples. Utilizar menos água e detergente para lavar a loiça, evitar o uso do ar condicionado nos automóveis, utilizar pilhas recarregáveis, levar um saco para a praia para deitar o lixo, separar os jornais velhos para serem reciclados, abrir o frigorífico o mínimo possível, comprar ovos em embalagens de cartão - e não de esferovite. Eram todos conselhos práticos, reunidos no livro "50 Coisas Simples que Você Pode Fazer para Salvar a Terra".

Editado nos Estados Unidos em 1989, o livro foi lançado em Portugal em 1991 - num momento em que o país era inundado de dinheiro vindo da União Europeia, que o Governo já tinha um ministério só para o ambiente, que as associações ambientalistas firmavam-se perante a opinião pública. Dez anos depois, é algo desconfortável constatar que ainda é preciso repetir estes conselhos, como se até agora ninguém os tivesse seguido.

Ao longo deste período, o país investiu muitos milhões no ambiente, sobretudo na construção de estações de tratamento de esgotos, em novas barragens para abastecimento público, na selagem de lixeiras e na sua substituição por aterros ou incineradores. Por outro lado, gastaram-se rios de tinta em estratégias, planos e leis destinados a melhorar o estado do ambiente e a qualidade de vida.

Tem sido uma intervenção em ponto grande, mas no dia-a-dia do cidadão há sinais evidentes de que há muita coisa que não está a funcionar bem, sobretudo nos aglomerados urbanos. Há leis que proíbem o despejo incontrolado de entulhos, mas continua a ver-se montes de inertes em qualquer terreno baldio acessível a um camião. Há excelentes normas para reduzir o ruído, mas o ouvido dos cidadãos continua a ser martelado pelo barulho de máquinas, automóveis e altifalantes. Há modernas empresas e infra-estruturas para tratar dos resíduos, mas não se extinguiu o hábito de deitar embalagens para o chão, largar sacos de lixo pendurados em árvores, de apagar cigarros com os pés. Há sistemas de controlo e medição da poluição atmosférica, mas continua-se a fumar livremente em locais de trabalho, obrigando à inalação involuntária, durante várias horas por dia, de substâncias comprovadamente cancerígenas.

A tirania do automóvel talvez seja um dos sintomas mais pungentes de que a qualidade de vida não beneficiou tanto assim do desenvolvimento económico da última década. Cada vez mais carros entopem as cidades, e não só as suas ruas, como também os passeios e até jardins. É difícil imaginar que o bem-estar urbano tenha melhorado, quando se é obrigado a andar a pé no meio da rua, porque um automóvel ocupa o espaço do peão.

E o que o cidadão pode fazer para tornar mais agradável o ambiente em que vivemos? Os 50 conselhos de há dez anos são ainda certamente válidos, mas é preciso reconhecer, primeiro, que, em vários domínios, o país tem caminhado no sentido contrário. Por exemplo, o país está a produzir cada vez mais lixo. Ao mesmo tempo, os cidadãos e as empresas consomem cada vez mais energia - seja em casa, nos empregos ou nos transportes. Nada disto se coaduna com o princípio do desenvolvimento sustentável, que muitos políticos gostam de pregar nos seus discursos.

O cidadão está longe de fazer a sua parte. Segundo um inquérito nacional conduzido no ano passado pelo Observa - uma organização que reúne investigadores de Instituto de Ciências Sociais (ICS) e do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) -, os únicos hábitos ambientais que são praticados por uma larga maioria da população portuguesa têm a ver com economizar água e luz. Ou seja, têm a ver com poupar dinheiro. Em outros domínios, como o da reciclagem, a situação tem vindo a melhorar francamente, mas ainda há menos gente que, com regularidade, separa do lixo normal o vidro, o papel e as embalagens, do que o contrário.

O mesmo inquérito revelou que os cidadãos têm pouca participação cívica, tanto em geral, como em relação ao ambiente. Os entrevistados, maioritariamente, ouviram falar das associações de defesa do ambiente, mas pouca gente - uma porcentagem sempre inferior a dez por cento - participa nas actividades destas organizações, dá-lhes dinheiro ou vale-se delas para denunciar uma situação. Além disso, menos de 15 por cento das pessoas participam em discussões públicas ou manifestações, ou contactam os "media" ou instituições e serviços.

Este dado é curioso, quando cruzado com o facto de os mesmos inquiridos acharem, quase de modo unânime, que o Estado faz pouco perante os problemas ambientais. Ou seja, o cidadão comum acha que as instituições públicas não fazem nada, mas ele próprio faz muito pouco para obrigar o Estado a cumprir o seu papel.

É uma pescadinha de rabo na boca, quando se trata de situações em que o próprio cidadão é o culpado. O estacionamento irregular - que deteriora visivelmente o ambiente nas cidades - é um caso destes. A associação ambientalista Quercus fez recentemente uma contagem em alguns bairros de Lisboa e concluiu que 37 por cento dos automóveis observados estavam mal estacionados. Um em cada quatro carros estava em cima do passeio e 43 por cento dos automóveis que se encontravam em zonas de parquímetros não estavam a pagar nenhum tostão por isto. Ou seja, fica claro que a fiscalização do Estado é ineficaz e que os cidadãos - eles próprios prevaricadores - não se queixam o suficiente. No final, como acontece em todas as situações de degradação ambiental, todos saímos a perder.

 

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