A tensão que vem de longe
Por Tiago Tibúrcio
Terça-feira, 29 de Junho de 2001
As origens da desconfiança
que a comunidade cipriota turca e grega nutrem uma pela outra
remontam de há muitos séculos, antes mesmo de
a Grécia e a Turquia emergirem como Estados Independentes.
Cinco séculos antes de Cristo, os confrontos entre
as cidades-Estado gregas e os persas marcaram de forma indelével
o imaginário grego. Maratona, Salamis e Platea evocam
esses tempos vitoriosos, encarados muitas vezes como uma luta
do ocidente contra o oriente.
No século XV, a Grécia foi conquistada pelo
Império Otomano (turco, islâmico), uma ocupação
que durou os três séculos seguintes.
Em 1570, o Chipre foi ocupado pelos turcos, que massacraram
cerca de 30 mil gregos.
O fim da ocupação otomana só viria a
acontecer em 1821-28, com a Guerra da Independência,
onde não faltaram episódios de cruéis
massacres entre turcos e gregos.
Conforme lembra o jornalista da CNN Paul Sussman, o próprio
Estado moderno turco tem raízes num sentimento anti-grego,
pois o fundador da república turca, Kemal Ataturk (1881-1938),
chegou pela primeira vez ao poder combatendo com sucesso a
invasão grega da Ásia Menor (1919-21).
Passado recente
Pouco tempo depois da independência do Chipre do colono
britânico, em 1960, as duas comunidades envolveram-se
em confrontos que resultaram em milhares de "desaparecidos",
sobretudo do lado dos cipriotas turcos. Na origem dos confrontos
estavam diferenças acerca da interpretação
da Constituição. Esta previa uma partilha de
poder entre as duas comunidades que os gregos cipriotas consideravam
obstáculos à eficiência do Governo. Os
cipriotas gregos avançaram com alterações
à Constituição com o objectivo de eliminar
as normas que protegiam os cipriotas turcos, que se opuseram
fortemente. Além disso, os respectivos planos de enosis
(união da ilha à Grécia) ou de taksim
(união da ilha à Turquia) agudizaram as tensões.
O final desse ano foi marcado por violentos
confrontos entre os dois lados, que culminaram no fim da participação
cipriota turca no Governo. Em 1967-68 os confrontos entre
as duas comunidades ressurgiram, resultando na criação
de uma administração provisória cipriota
turca.
A divisão da ilha
Em 1974, a ditadura dos coronéis de Atenas (1967-1974)
patrocinou um golpe de Estado na ilha mediterrânica
com o objectivo de derrubar o Presidente Makarios, que se
afastara do ideal do enosis e que era acusado de simpatias
pró-comunistas. Este foi o pretexto para a Turquia
invadir a parte Norte da ilha (cerca de um terço),
justificando o acto com a protecção da comunidade
cipriota turca. Nove anos depois é declarada a independência
da República Turca do Norte do Chipre (RTNC), só
reconhecida pelo regime de Ancara.
As duas comunidades da ilha vivem há 28 anos separadas
por uma "linha verde", por onde pessoas, bens ou
serviços raramente passam.
Apesar da histórica inimizade entre gregos e turcos,
Atenas e Ancara deram recentemente sinais de esperança
quanto ao futuro das suas relações. Primeiro,
quando um violento sismo abalou a Turquia em 1999 e a Grécia
enviou prontamente equipas de salvamento para o local. Um
mês depois, foi a vez de Atenas ser atingida por um
terramoto, tendo as autoridades turcas retribuído o
gesto.
A actualidade
Durante os últimos anos, os Estados Unidos, Reino Unido
(o antigo colono) e a União Europeia têm envidado
esforços para conseguir a sanação da
crise. A intransigência das duas partes, em particular
do lado cipriota turco, destinou ao fracasso essas tentativas.
A perspectiva do Chipre aderir brevemente
à União Europeia pode abrir as portas a um entendimento
histórico entre os líderes da comunidade cipriota
grega e turca, e acabar com a divisão da ilha. Até
Agosto de 2002, os dois líderes vão encontrar-se
três vezes por semana para procurarem uma solução
para o problema da partição da ilha. A idade
avançada dos dois líderes (Clerides tem 82 e
Denktash 78) poderá favorecer um compromisso. Contudo,
há quem não seja tão optimista e veja
também o perigo de se reavivar um conflito que pode
estar somente adormecido.
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