Na sombra da Turquia
Terça-feira, 29 de Junho de 2001
A República Turca do Norte do Chipre
(RTNC) é completamente dependente - política,
militar e economicamente - da Turquia. O regime de Ancara
invadiu a parte Norte do Chipre em 1974 e, desde então,
tem sido o seu único apoio. A maior parte dos cipriotas
turcos parece desejar esta presença. Todavia, desde
há algum tempo para cá, têm surgido vozes
na RTNC que acusam Ancara de se estar a aproveitar do território.
A Turquia tem entre 25 a 40 mil soldados estacionados
em várias bases militares na RTNC. Ancara paga pelo
menos 35 por cento das despesas correntes do Orçamento
cipriota turco e é responsável por todos os
investimentos em infra-estruturas. O presidente da RTNC, Rauf
Denktash, diz que a Turquia é o "garante da segurança"
dos cipriotas turcos.
Mas nem todos os cipriotas turcos partilham
esta visão. Sener Levent, director do jornal "Avrupa"
("Europa"), considerou - numa entrevista que deu
no ano passado ao PÚBLICO -, que "o Chipre está
sob ocupação da Turquia". Segundo Levet,
"a Turquia tinha o direito de intervir [em 1974]".
Acrescentando: "Aceitamos isso, mas os turcos não
mantiveram a sua promessa e ficaram".
O director do jornal "Avrupa" afirma
ainda que a Turquia investe muito dinheiro na RTNC: "cem
milhões de dólares [cerca de 114 milhões
de euros] por ano, mas recupera cada cêntimo".
Por exemplo, explica, "Ancara paga pelas nossas infra-estruturas,
mas os contratos vão todos para firmas turcas".
Esta posição é no essencial
partilhada pelo maior partido da oposição da
RTNC. De acordo com Mehmet Ali Talat, líder do Partido
Republicano Turco, existe de facto um retorno dos investimentos
realizados pela Turquia na RTNC. "O Exército turco
tem aqui os seus negócios e as suas lojas, isentas
de impostos. Sessenta por cento das nossas importações
vêm da Turquia, e nós não podemos exportar
para lá, o que destruiu sobretudo a nossa agricultura.
E há outros instrumentos de integração:
por exemplo, os nossos programas escolares têm de ser
coordenados com o sistema da Turquia", explicou Talat
ao PÚBLICO, em meados de 2001.
Em privado, são muitos os cipriotas
turcos que, apesar de gratos pela protecção
de Ancara em 1974, criticam o "colonialismo" que
se seguiu à intervenção: cem mil turcos
estabelecidos na ilha e forte presença militar.
"Eles nunca nos abandonarão"
A enorme dependência económica
da RTNC em relação à Turquia faz com
que cada tremura em Ancara seja um terramoto em Nicósia.
A RTNC não tem moeda própria - usa a lira turca.
O que significa que os cipriotas turcos foram duramente afectados
pela crise económica que assola a Turquia: em um ano,
perderam 60 por cento do seu poder de compra.
A Turquia está envolvida em complexas
negociações para a adesão à UE.
Mas o Governo cipriota turco não receia ser usado como
moeda de troca: "Chipre é o único tema
que gera unanimidade na Turquia", diz Rauf Denktash.
Na opinião de muitos políticos
cipriotas turcos, Ancara nunca os abandonará. Nem poderia,
porque, segundo dizem, o povo não deixava.
"Denktash tem o apoio dos grandes
poderes na Turquia, sobretudo do Exército", confirma
o oposicionista cipriota turco Mehmet Talat. "Ele nunca
se afasta um milímetro da Turquia, essa é a
fonte do seu poder. Eu não tenho tanta confiança
como ele nos políticos de Ancara. Mas o objectivo último
de Denktash é fazer do Norte do Chipre uma província
da Turquia. Essa é a sua ambição mais
profunda, a anexação do Norte à Turquia".
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