Câmara em directo de Cannes
Por Vasco Câmara
Terça-feira, 8 de Maio de 2001


Mais Brando, mais sexo e mais napalm

Assim se começa a perceber que cenas é que estão nos 50 minutos a mais da versão que Francis Coppola vai apresentar nesta edição do festival. Quem já viu o filme vai adiantando que esta versão dita "definitiva" não tem nada a ver com as oportunistas "director's cut" que estão tão em voga (desde "2001 Odisseia no Espaço" a "O Exorcista") e que são mais operações de "marketing" de relançamento dos filmes do que sinceros trabalhos que permitem uma descoberta cinéfila. Não deixa de haver o perigo, é claro, de "Apocalypse Now" ficar demasiado "explicado", e se diluir a abstracção, o mistério irracional que por lá anda. Mas quem viu, vai levantando o véu: há mais espaço para a personagem interpretada por Robert Duvall ("Adoro o cheiro do napalm pela manhã. Cheira a.. vitória") e para as suas cavalgadas de destruição; temos mais minutos de Marlon Brando, numa cena em que lê a miúdos vietnamitas as notícias da revista Time sobre o conflito no Vietname; uma sequência, conhecida como "a sequência da plantação francesa", em que a personagem de Martin Sheen, no seu percurso rio acima para chegar a Kurtz/Brando, encontra uma família perdida no tempo e na História, recusando abandonar a sua Indochina mítica, colonial; e um bloco, cortado da versão distribuída em 1979, carregado de droga e sexo, entre militares americanos e as "coelhinhas" da Playboy que chegaram para os entreter.

 

Os favoritos de Moretti

Nanni Moretti chega à competição de Cannes com "No Quarto do Filho", que em Itália recebeu três prémios David Donatello (o Óscar italiano) e foi um fenómeno de consenso crítico e comercial. A imprensa francesa, à beira do festival começar, anuncia já: "Preparem os lenços", já que, se acontecer o mesmo o que aconteceu em Itália, "No Quarto do Filho" arrasará os corações mais empedernidos. Há mesmo quem diga que, nesta história de uma família apanhada pela tragédia da morte de um filho (Moretti e Laura Morante são os pais), o realizador não fez nada para poupar o calvário emocional do espectador. Favorito ao Palmarés, dizem alguns, mas neste momento favoritos são todos os filmes da competição. Certo, mesmo, são os filmes favoritos de Nanni Moretti dos últimos 25 anos, numa lista que ele fez publicar na revista francesa Premiere. Sâo eles: "Close Up", de Abbas Kiarostami (90), "Decálogo", de Krzysztof Kieslowski (88), "Três Cores-Azul", de Krzysztof Kieslowski (92), "A Mulher do Lado", de François Truffaut (80), "Heimat", de Edgar Reitz (82), "A Barreira Invisível", de Terrence Mallick (97), "New York, New York", de Martin Scorsese (77), "A Escrava do Amor", de Nikita Mikhalkov (77), "Pão e Flores", de Moshem Makhmalbaf, "Crimes e Escapadelas", de Woody Allen, "I Ladri di Bambini", de Gianni Amelio (91) e "A Noite de São Lorenzo", de Paolo e Vittorio Taviani.


O baile de Nicole

Nicole Kidman vai abrir o "baile", em Cannes, com o musical "Moulin Rouge", de Baz Luhrmann, visão pós-moderna e feérica do cabaret parisiense do final do século XIX. Kidman interpreta uma bailarina do cabaret, por quem Ewan McGregor se apaixona. O amor deles vai ser trágico. E visualmente delirante. E cheio de anacronismos. Veja-se: em Montmartre, à beira de 1900, enquanto Nicole e Ewan falam, ouve-se em fundo Madonna, Elton John, U2, Queen ou Kurt Cobain. "Roxanne", dos Police, serve para um arrebatador tango. E há ainda Bowie, Marilyn Manson, e outros. Nicole está na capa de todas as revistas de cinema publicadas à beira do festival começar, e nas entrevistas Baz Luhrmann, australiano, não se cansa de falar na compatriota Nicole. Uma pergunta sobre Ewan McGregor ou sobre o cenário... e ele começa a falar de Nicole. Compara-a a Marlene e a Marilyn, pela "voz de cabaret". E aflora a questão que tem sido problemática na carreira da actriz: a sua frieza e distância que sempre colocaram uma barreira até agora intransponível. Diz ele que "Moulin Rouge" vai partir de vez essa imagem feita. Com nas notícias recentes do falhanço matrimonial do casal Kidman/Cruise, suspeita-se que está em marcha uma operação de "reabilitação" da, agora muito consternada, Kidman, e que Cannes vai ser um trampolim importante para um renascimento.



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