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  Jacques Rivette segue os movimentos da actriz Jeanne Balibar em "Va Savoir"
 
   

"Et là bas, quelle heure est-il?" e "Va Savoir" em competição
Tsai Ming-liang e Jacques Rivette, ou o expresso
Paris-Taiwan
Do nosso enviado Vasco Câmara, em Cannes
Quarta-feira, 16 de Maio de 2001

 

Um rapaz em Taipé, vivendo com o fuso horário de Paris, porque uma rapariga passou por ele, pouco antes de partir para França, e comprou-lhe um relógio. Uma viúva vivendo com o fuso horário dos fantasmas, já que prepara refeições na expectativa de que o marido morto a visite com fome. Ainda há Jean-Pierre Léaud, como ele é hoje, e como era há 40 anos nas imagens de "Os 400 golpes", de François Truffaut. É a última maravilha de Tsai Ming-liang, "Et là bas, quelle heure est-il?" (em competição para a Palma de Ouro).

É uma história de amor entre Paris e Taipé, mas sem os protagonistas se encontrarem. É uma história de perda, porque a felicidade corre ali ao lado, mesmo que isso, ali ao lado, seja a distância que separa Taiwan da França, a vida do cinema (uma sequência de "Os 400 Golpes"), e os vivos dos mortos. A depuração do cinema do realizador de Taiwan, o seu olhar expectante e o vazio nos planos sempre criaram espaço para uma disposição fantasmática. Agora, cada plano de "Et là bas, quelle heure est-il?" intui a presença do outro que está ausente, como quem sente fantasmas no escuro - mesmo que o rapaz em Taiwan nada saiba da rapariga em Paris, mesmo que Jean-Pierre Léaud, em Paris, não saiba que um rapaz, em Taiwan, o vê no filme de Truffaut.

Por isso, a habitual contenção emocional que, no final de anteriores filmes do realizador ("Vive l'Amour"; "O Rio"), desaguava num vale de lágrimas, faz agora aparecer um anjo. Segundo Tsai Ming-liang, alguém esperará por nós. Sim, mas nunca o saberemos.

E mesmo ali ao lado - ou seja, no mesmo dia de competição - desta homenagem de Taiwan à "nouvelle vague" francesa estava "Va savoir", com que Jacques Rivette, outro nome desse movimento, apareceu em competição (o dia de Godard foi ontem).

"Va Savoir" é um filme sobre o teatro como revelação, e depuração, das paixões das suas personagens - dois actores de uma companhia italiana que faz uma "tournée" em Paris com uma obra de Pirandello. São um casal. Ela é francesa, ele italiano. Ela abandonara Paris por causa de um desaire amoroso, e ao regressar reencontrou o ex-amante. Ele, o actual companheiro, ao investigar a existência de uma peça inédita de Goldoni, perdeu-se por uma perturbante rapariga. Confronto nos palcos da "commedia dell'arte".

Ela é Jeanne Balibar, a cuja movimentação Rivette assiste. Balibar, em filmes como "Comment je me suis disputé", de Arnaud Desplechin, ou "Odeio o Amor", de Laurence Ferreira Barbosa, definiu uma personagem singular, simultaneamente moderna e clássica, uma espécie de "clown" intelectual - voz grave, de irresistíveis modulações, e uma loucura controlada. Rivette segue os seus movimentos, e também por causa deles "Va Savoir" é uma belíssima extravagância.

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