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  O filho de Francis Ford Coppola estreia-se na realização com "CQ"
 
   

A primeira aventura de um cine-filho
Roman Coppola, filho de Francis, estreia-se na realização com "CQ"
Do nosso enviado Vasco Câmara, em Cannes
Sábado, 12 de Maio de 2001


Coppola, Roman. Tem que se falar, obviamente, no pai. Muito mais do que no caso de Coppola, Sofia. Porque "CQ", exibido na secção Un Certain Regard, não é só a estreia na realização de um cinéfilo. É a estreia de um cine-filho. No centro está o cinema, tinha de ser. "CQ" podia ser, também, "as histórias que o meu pai me contou".

Paris, 1969, ainda a viver a euforia de Maio de 1968, e quando Godard e Truffaut faziam a "nouvelle vague" - e quando Coppola fazia "The Rain People", e era o ano de Woodstock, "Easy Rider", "Midnight Cowboy", e os "movie brats" começavam a fazer o cerco a Hollywood, armadilhados com série B e "exploitation movies", mas também com sonhos de filmes pessoais. É esse o caso de Paul (Jeremy Davies). Está em Paris, filma-se a preto e branco, em casa, falando para a câmara, filma a espuma do café, as plantas, os lençóis enrolados no corpo nu da amante francesa (Élodie Bouchez) que se aborrece muito, porque já percebeu que ele gosta mais do cinema do que dela. Ela podia ser Anna Karinna e o pequeno filmezinho de autor de Paul o seu "Une Femme est une Femme".

Depois há a cor, que vem de "Barbarella". Paul é assistente de um filme de ficção-científica, "Dragonfly", que conta as aventuras em 2001 de uma agente especial, enfiada em latex cor-de-rosa e rodeada por cenários pintados, que vai ter de escolher entre o "sistema" e a Rebelião (assim mesmo, a rebeldia vem com boina à Che Guevara).

Depois de uma série de peripécias, Paul vai conseguir dirigir "Dragonfly", o que vem a calhar, porque está obcecado pela "pin up" que interpreta o papel principal (Angela Lindvall, top model, aqui também a estrear-se no cinema). Assim, o mutismo adolescente de Paul é encaminhado para a adoração pelos fantasmas projectados no ecrã. Assim "CQ" - abreviatura de "seek you" - fica uma meditação on la vie, l'amour e o cinéma.

Não é especialmente original, está cheio do habitual carnavalinho de produtores trapalhões, boémia nas ruas (uma parte em Roma sai do cinema italiano, dos primeiros filmes de Fellini, por exemplo) e dos inevitáveis adereços de época. Roman olha para isso tudo com uma espécie de quietude, colando-se ao olhar introvertido da sua personagem. Mas muitas vezes parece ainda, de forma evidente, hesitação de primeira vez.

Onde, pelo contrário, se distingue - tal como a irmã Sofia, em "The Virgin Suicides" - é na capacidade de, com aquilo que podia ser apenas "gadget" ou reciclagem do estilo de uma época, fazer uma radiografia emocional e do imaginário de um tempo, o que vai para além do registo de um décor. As passagens da "realidade" para o "filme" dentro do filme são sempre sedutoras, e aí sim, Roman solta-se, "CQ" mergulha no seu mundo de fantasia BD e quase que chega a ser calorosamente delirante.

Falando em Sofia, é impossível não comparar "CQ" com "Virgin Suicides", que foi apresentado em Cannes em 1999 na secção Quinzena dos Realizadores. Ela foi mais surpreendente e original. Era o filme de uma (grande?) cineasta. Roman, que tem 35 anos, fez com "CQ" o filme de um filho - ficará assim, até próxima confirmação - que passou pelas rodagens do pai, que viveu através dos filmes do pai, ou dos filmes que o pai lhe mostrou, que ouviu histórias e que agora as passa como as passaram a ele.

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