Segunda incursão de Michel Piccoli na
realização
"A Praia Negra" abriu ontem
a Semana da Crítica
Marta Fernandes
Sexta-feira, 11 de Maio de 2001
O filme "A Praia Negra", do actor francês
Michel Piccoli, abriu ontem a Semana da Crítica no Festival
Internacional de Cinema de Cannes. É uma dissertação em imagens
sobre o duplo exílio de um homem e, depois de "Alors Voilà",
é a segunda incursão de Piccoli, de 75 anos, na realização.
"A Praia Negra" conta a história de um
escritor militante, perseguido pelas suas recordações, que
vive num exílio interior. É permanentemente assombrado por
visões dos seus amigos mortos, dos seus medos, das ameaças
de que foi vítima no passado.
A democracia chegou ao seu país, depois
de anos de ditadura. O filme não especifica de que país se
trata; é um país imaginário, uma mistura de Europa e da América
Latina. Mas a democracia que o país conquistou é unicamente
uma política de palavra, uma vez que os métodos da ditadura
continuam lá: as mortes, os desaparecimentos, a lei do silêncio.
Sylvie, a mulher do escritor, é jornalista.
Regressa a Paris para escrever sobre a democracia em reconstrução
no seu país. Entretanto, o escritor deixa as chaves do seu
apartamento a Emma - um antigo amor da juventude, companheira
de militância - e parte com Joyce, a filha, para a Praia Negra,
o sítio onde passou a infância. São aliás estas três mulheres
(Sylvie, Emma e Joyce) que representam os únicos laços do
escritor com o real, a única coisa que o liga à vida.
Mas já não há saída no deserto da praia
em frente ao mar, junto a uma pequena vila com traços portugueses
ou espanhóis. Como conta Piccoli, na nota de intenções, "nesta
Praia Negra, não é a verdade geográfica que interessa, mas
sim a do símbolo concreto. O essencial encontra-se nos abismos
deste homem, no seu amor louco pela mulher, no seu amor pela
filha".
A crítica acolheu com surpresa o filme
de Piccoli e não poupou elogios. O "Le Monde" diz do célebre
actor que é "um grande cineasta, que pulveriza as convenções
do filme de denúncia, do romance politicamente correcto".
"Piccoli confirma [com "A Praia Negra"] tudo o que já tinha
mostrado na sua esplêndida primeira longa-metragem, "Alors
Voilà", em 1997: a partir dos materias próprios do cinema,
a luz e o tempo, o corpo e a voz dos actores, ele estabelece
a sua capacidade de construir universos que, numa estilização
extrema, reúnem uma perturbadora verdade", escreve o crítico
Jean-Michel Frodon no vespertino parisiense.
O filme, uma adaptação de um romance
de François Maspéro, é co-produzido pela produtora portuguesa,
Madragoa Filmes, e pela francesa, Gemini Filmes, ambas do
produtor Paulo Branco. A Semana da Crítica do Festival de
Cannes foi fundada em 1962 pelo Sindicato Francês dos Críticos
de Cinema e é a mais antiga das secções paralelas do Festival
de Cannes. Nela são apresentadas primeiras e segundas obras.
Este ano, para além do filme de Piccoli serão ainda apresentados
os filmes "Le Pornographe", de Bertrand Bonello; "La femme
qui boit", de Bernard Edmond; "Bolivia", de Adrian Caetano;
"Unloved", de Kunitoshi Manda; "Almost Blue", de Alex Infascelli;
"Under the Moonlight, Ville Ephémère", de Giorgos Zafiris;
e "Nuages", de Marion Hansel.
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