"Human Nature", exibido
fora de competição
As aventuras da mulher peluda,
do homem com o pénis pequeno e do homem-macaco
Do nosso enviado Vasco
Câmara, em Cannes
Quinta-feira, 17 de Maio de 2001
Este é o trio amoroso de "Human Nature":
uma mulher peluda, um investigador obcecado com o tamanho
do pénis e um homem-macaco. Assim se estreia na realização
Michel Gondry, 37 anos, o mago dos videos (Björk, nomeadamente,
deve-lhe "Human Behaviour" e outros clips que fizeram a sua
existência nas imagens).
Convém começar por dizer
que o argumento é de Charlie Kaufman, o homem que escreveu
"Queres ser John Malkovich?". Era um daqueles argumentos de
que toda a gente dizia maravilhas, que contribuiu para fazer
de Kaufman o argumentista do momento, mas que ninguém se atrevia
a adaptar. Até que Spike Jonze, na altura ocupado com a sua
estreia na realização (o tal filme que entra na cabeça de
Malkovich), o apresentou a Michel Gondry.
É relevante a autoria do
argumento; tem as marcas de Kaufman. "Human Nature" (apresentado
fora de competição), é uma "comédia biológica", como se a
parte em "Queres Ser John Malkovich?" que pertence à personagem
de Cameron Diaz (e ao macaco...) tivesse aqui direito a um
filme inteiro.
A mulher (Patricia Arquette)
anda nua na selva como uma Eva peluda, pelo infortúnio de
uma condição hormonal. O homem com o complexo do pénis pequeno
(Tim Robbins) ensina ratinhos a comer à mesa - está-se mesmo
a ver que detesta pelos. O homem-macaco (Rhys Ifans) ficou
assim porque foi criado na selva, mas o investigador com o
pénis pequeno vai fazer com que de masturbador compulsivo
o projecto de símio passe a leitor de "Moby Dick".
É o triângulo amoroso da
praxe (na variante pêlos), que dá várias voltas, enquanto
Patricia Arquette se vai depilando, o homem-macaco educando
e Tim Robbins percebendo que o tamanho não interessa.
Há um "happy end" que é
falso, porque nos argumentos de Kaufman há o sentimento de
uma humanidade rasgada pelos seus desejos e instintos. Não
é tão negro como "Queres ser John Malkovich?", nem tão compulsivamente
realista como esse filme de Spike Jonze, que por isso mesmo
era mais original. Gondry misturou cenários naturais e recriação
em estúdio, como nos seus vídeos, para obter o tom da fábula
e acelelar o ritmo delirante. Mais disposto a exibir os seus
efeitos do que o filme de Spike Jonze, resulta, no entanto,
uma bizarria deliciosamente artesanal. No fim um casal de
ratinhos pede boleia para Nova Iorque.
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