O que significam os "Cahiers" para....
Por Marta Fernandes
Segunda-feira, 14 de Maio de 2001



... João Mário Grilo (cineasta)

PUBLICO.PT: Qual a importância dos "Cahiers" para a História do Cinema?

João Mário Grilo: Há várias razões pelas quais os "Cahiers" foram importantes. A mais importante é talvez a transformação que a própria revista ocasionou na História do Cinema, com a reavaliação do conceito de autor e depois com a política dos autores. Há uma História do Cinema antes e depois dos "Cahiers du Cinéma", sobretudo relativamente ao cinema americano. É verdade que a revista teve momentos muito diferentes, muito desiguais, dependendo sobretudo de quem estava à frente dela. Mas manteve sempre um nível interessante de espírito crítico. Mesmo os erros que cometeram são erros interessantes. Os "Cahiers du Cinéma" são na Europa a revista de referência. Por outro lado deram voz a pessoas que não tinham directamente a ver ou não tinham interesse sobre o cinema, confrontando-as com a imagem e o ecrã. Entrevistas a filósofos e pensadores contemporâneos, como a que foi feita a Derrida, por exemplo. É uma revista fundamental. O desaparecimento dos "Cahiers", como chegou a ser noticiado há dois anos, seria algo imensamente grave. Mesmo existindo hoje uma imprensa mais interessante, os críticos dos principais jornais vêm da escola dos "Cahiers". É uma revista fundamental a nível de reflexão, não só sobre o cinema, mas também sobre os festivais, as cinematecas, a televisão, o DVD.

Quando é que os cadernos amarelos entraram na sua vida?

Para mim era fácil. Eu quase vivia com o Festival da Figueira dentro de casa. Nos anos em que o vivi era o grande momento de expansão da ideologia dos "Cahiers", nos anos 70. Desde que conheço a minha relação com o cinema, que os "Cahiers" fazem parte dela, tanto do ponto de vista do cinema, como do ponto de vista político, de um certo maoísmo mesmo.

Há algum número que o tenha marcado particularmente?

(hesitação) Agora, lembrar-me não é fácil. Há um número feito pelo Godard que é talvez o mais importante... E também outro sobre a China... E, é claro, há os números sobre os quais me debrucei mais tempo e sobre os quais mais trabalhei, que são os "Cahiers" dedicados ao cinema soviético.

A nível da divulgação do cinema português, qual foi a importância assumida pelos "Cahiers du Cinéma"?

Acho que os "Cahiers" foram fundamentais para dois realizadores portugueses: o António Reis e o Manoel de Oliveira. Estes dois cineastas foram muito acarinhados pela revista. Se, no caso do Manoel de Oliveira, mesmo sem os "Cahiers" a história teria funcionado, o mesmo não se passa com o António Reis, cuja história se reduz sobretudo a duas obras. O mesmo se passa hoje com o Pedro Costa [uma entrevista do realizador está em destaque este mês na página oficial dos "Cahiers du Cinéma"], mesmo tendo a revista hoje perdido parte da sua importância. É claro que isso sempre causou alguma irritação entre os outros cineastas portugueses. Uma coisa estúpida, na minha opinião.


... Eduardo Prado Coelho (ensaísta, professor universitário)


PUBLICO.PT: Qual a importância dos "Cahiers" para a História do Cinema?

Eduardo Prado Coelho: Os "Cahiers du Cinéma" são importantes porque inseriram o cinema dentro de um quadro cultural de referência mais amplo e deram-lhe dignidade, sobretudo com a política dos autores. A história dos "Cahiers" é muito complexa, tem várias etapas, muito distintas. Mas, em todas elas, há um empenhamento muito sério e uma tentativa de dar um lugar, não apenas de indústria, mas sobretudo de Arte ao Cinema.

Quando é que os cadernos amarelos entraram na sua vida?

Comecei a ler os "Cahiers" há 36 anos, quando tinha à volta dos vinte anos. A partir daí passei a assinar a revista, fui sempre assinando. Tenho uma boa colecção, apesar de ter perdido alguns números pelo caminho. Fui sempre lendo os "Cahiers" em todas as suas etapas. Como sempre acompanhei o cinema, procurava seguir as revistas e os "Cahiers" são sem dúvida a mais importante. Fui, sobretudo, sempre muito sensível ao trabalho de André Bazin. Acompanhei todo o movimento da "Nouvelle Vague", Jean-Luc Godard, François Truffaut e a partir de certo momento Serge Daney, que funcionou sempre como um elemento de reflexão.

Há algum número que o tenha marcado particularmente?

Há números recentes que são extremamente importantes, porque apresentam reflexões sobre as novas formas de fazer cinema, falam do digital, da televisão, do DVD. Mas o número que mais me marcou foi um número feito pela Marguerite Duras. Tem um valor afectivo muito grande para mim. Estava no cruzamento, lá encontrei o cinema e a Marguerite, a quem estava muito ligado. É um número lindíssimo, tanto em termos de imagem, como de texto.

A nível da divulgação do cinema português, qual foi a importância assumida pelos "Cahiers du Cinéma"?

Sem dúvida os "Cahiers" foram importantes para o Manoel de Oliveira. Estiveram sempre muito ligados também ao Paulo Branco, que é um dos grandes produtores europeus, que dinamizou também o pólo português. Ainda o João César Monteiro e o Paulo Costa. Creio que uma parte considerável da imagem a nível mundial do cinema português se deve à projecção dos "Cahiers du Cinéma".



... Edgar Pêra (cineasta)

PUBLICO.PT: Qual a importância dos "Cahiers" para a História do Cinema?

Edgar Pêra: É relativa. Sei lá!... Para mim é sobretudo por ter marcado uma diferença, contra aquilo que estava instituído. Mas não me influenciou muito, porque eu sou uma pessoa anti-cinéfila. Apesar de os "Cahiers" não representarem aquilo contra o qual eu sou contra. Por um lado respeito o carácter iconoclasta deles. Mas ao mesmo tempo, não seria eu iconoclasta se dissesse que gosto.

Quando é que os cadernos amarelos entraram na sua vida?

Eu ia muito à Gulbenkian, via cinema três ou quatro vezes por dia, antes de ter decidido fazer cinema e deixar de ver. Nos anos 70.

Há algum número que o tenha marcado particularmente?

Não. Bom, tenho uns números do Eisenstein, que comprei depois, porque gosto de cinema soviético. Os "Cahiers" para mim eram um símbolo de tudo o que eu não queria. Significavam uma necessidade de referências para se compreender os filmes, de ver o que não está lá. Nem sequer se trata de não gostar dos filmes de que eles falavam. Os cadernos tornaram-se numa espécie de bíblia, que queriam dar referências sobre tudo. E depois há aquela fase mais dura, a seguir à fase de Godard, que é bastante dura de engolir. Eu já apanhei isso.

A nível da divulgação do cinema português, qual foi a importância assumida pelos "Cahiers du Cinéma"?

Para alguns professores meus, os "Cahiers" eram uma espécie de referência. Muito também a nível político. Significavam uma espécie de resistência ao fascismo que se vivia, algo de alternativo. A nível cultural, falavam de coisas de que não se podia falar cá, faziam uma análise. Mas não leio os cadernos. Às vezes tento arranjar alguns números em alfarrabistas. Mas são em francês, e eu deixei de ler em francês, até porque muitos dos textos estão traduzidos em inglês também e o francês é uma cultura da palavra. Hipnotizam. Deixam-se seduzir pelas frases, perdem-se e aquilo que interessa fica pelo caminho e isso a mim não me interessa nada. 


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