Cannes termina sob o signo da sensualidade
In the mood for Hou Hsiao-Hsien
Do nosso enviado Vasco
Câmara, em Cannes
Sábado, 19 de Maio de 2001
A competição terminou sob
o signo da sensualidade, com dois filmes em que o chamado
"mistério do eterno feminino" revelou, afinal, o misterioso
olhar de dois cineastas, homens: o japonês Shohei Imamura
e o taiwanês Hou Hsiao-Hsien.
De Imamura - que cada vez
mais filma segundo regras tão próprias que o seu cinema parece
materializar um fluxo de energia e pulsões que andam à solta
- foi vista uma fábula, uma comédia burlesca, uma alegoria,
um filme fantástico e um filme social. Tudo isso é "De l'Eau
Tiède sous un Pont Rouge", e a personagem de uma mulher que,
no auge do prazer físico, jorra água do corpo, água tépida
que ao chegar ao rio enlouquece peixes e pescadores. É um
filme inundado por uma pulsão libertária.
Mas o final de Cannes foi
melancólico, "in the mood for" Hou Hsiao-Hsien. "Millenium
Mambo" apareceu no último dia, numa versão montada no último
momento, tal como no ano passado "In the Mood for Love", de
Wong Kar-wai (os dois filmes têm por trás a mesma estrutura
de produção, francesa, e foram ambos experiências de rodagem
complicadas, ou não fossem obras de cineastas tão "sui generis").
É um filme em que Hou Hsiao-Hsien
quer chegar o mais próximo possível (isto quer dizer, no seu
cinema, com reserva de uma distância adequada) de um mundo
ao qual não pertence, do qual não sabe nada, mas "um mundo
que existe": a juventude. Isso foi suficiente para ter andado
dois anos com jovens, "a viver com eles depois da meia-noite",
antes de se decidir fazer este filme que mantém a envolvente
opacidade daquilo que, antes do mais, tem a força da atracção
de um presente, e em movimento.
É nas discotecas e nas
catedrais do tecno de Taipé que Hou Hsiao-Hsien constrói uma
teia hipnótica de atmosferas e cores à volta de uma rapariga
dividida entre dois homens (Shu Qi, actriz de Hong Kong, é
filmada com uma delicadeza insuperável). Na construção não
linear, no desajustamento temporal entre o que se narra (uma
voz off feminina, que não é a personagem principal; não saberemos
quem é) e aquilo que vemos, o presente do filme é permeável
a um sentimento irreversível de perda. Como se tudo, de cada
plano, não pudesse escapar a ser logo passado. O realizador
resume assim: "Para os jovens de hoje, o ciclo e ritmo de
nascimento, crescimento e morte é muito mais rápido do que
o da minha geração. Isso é sobretudo verdade entre as raparigas:
elas são como flores, morrem logo depois de terem florido".
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