O amargo sucesso de "Le Fabuleux
Destin d'Amélie Poulin"
Do nosso enviado Vasco Câmara,
em Cannes
Quarta-feira, 9 de Maio de 2001
Os franceses vão atirando as suas
razões uns contra os outros por causa da selecção
nacional. Estão em concurso Godard, Rivette, Catherine
Corsini, Cédric Khan, François Dupeyron, mas
ontem os jornais davam conta de uma polémica no meio
cinematográfico francês. Costuma ser depois do
palmarés, desta vez foi à beira do festival
começar. Há quem se indigne por um filme francês
não ter sido seleccionado. Não é um filme
qualquer, é um enorme sucesso de bilheteira (dois milhões
de espectadores em duas semanas) e chama-se "Le Fabuleux
Destin d'Amélie Poulin". Sai da imaginação
de Jean-Pierre Jeunet (metade da dupla que fez "Delicatessen")
e continua ligado ao maravilhoso da BD. É um mergulho
na imaginação de uma miúda.
Ora, enquanto uma revista como "Les Inrockuptibles"
saúda a selecção, considerando que ela
revela uma ideia de cinema, "até porque recusou
o passadista" filme de Jeunet, personalidades como o
actor/realizador Mathieu Kassovitz (coincidência ou
não, intérprete do filme) vieram a público
protestar: segundo ele, citado pelo diário "Libération",
"Le Fabuleux Destin..." não só deveria
estar em competição como deveria ganhar a Palma
de Ouro (não interessa a Mathieu que não tenha
visto os outros filmes).
É, novamente, o fantasma de Cannes como festival que
despreza o que é "popular", deslocando, de
forma insinuante, a questão: o problema passam a ser
os outros filmes, os que foram seleccionados. E quanto mais
sobem o número nas bilheteiras, mais o sucesso de "...Amélie
Poulin" se vira contra os seleccionadores.
A justificação dos seleccionadores em relação
ao filme de Jeunet foi esta: "não há razão
para polémica", o filme foi visto numa altura
em que o trabalho de pós-produção não
estava completo e Jean-Pierre Jeunet fez um ultimato, "pegar"
ou "largar", de que os seleccionadores não
quiseram ficar reféns.
A questão acabou por levar ao cancelamento, pelos produtores
de "Le Fabuleux...", de uma sessão especial
do filme, ao ar livre, que tinha sido programada pelo festival
(apesar de não ter sido seleccionado, criava-se uma
oportunidade de visibilidade internacional para o filme).
A direcção do festival também não
seleccionou "L'Anglaise et le Duc", de Rohmer (segundo
o "Libération", por complexos de "esquerda",
por não se rever ideologicamente no filme, histórico,
sobre a Revolução Francesa), e "Fifi Martingale",
de Jacques Rozier, que não estava pronto.
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