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  Michel Piccoli interpreta Gilbert Valence, um actor que começa a ter falhas de memória, em "Vou para Casa", de Manoel de Oliveira.
 
   
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  Rita Blanco tem em "Ganhar a Vida" um dos melhores papéis da sua carreira

Festival Internacional de Cinema abre as portas a 9 de Maio
Dois filmes portugueses em Cannes
Por Marta Fernandes
19 de Abril de 2001


Na edição 2001 do Festival Internacional de Cinema, que começa quarta-feira 9 de Maio em Cannes, no Sul de França, vai estar em competição mais um filme de Manoel de Oliveira, intitulado "Vou para Casa". Entre os outros 22 concorrentes ao certame também figuram novas realizações de Nanni Moretti e de Jean-Luc Godard. Um segundo filme português - "Ganhar a Vida", de João Canijo - vai ser apresentado na categoria "Un Certain Regard". Já fora da competição, haverá várias homenagens e sessões especiais, e caberá ano ao realizador Wong Kar-wai dar a tradicional "lição de cinema".

Dois anos depois de ter recebido o Prémio do Júri, Manoel de Oliveira foi mais uma vez escolhido para a selecção oficial do Festival de Cannes, em França, desta vez com o filme "Vou para Casa", ainda não estreado em Portugal. "Ganhar a Vida", de João Canijo, também estará presente na categoria "Un Certain Regard". O 54º Festival Internacional de Cinema de Cannes decorre de 9 a 20 de Maio.
O filme de Manoel de Oliveira, com estreia marcada em Portugal para meados deste ano, inspira-se em duas peças de teatro - "O Rei está a Morrer", de Eugène Ionesco, e "A Tempestade", de William Shakespeare - e no romance "Ulisses", de James Joyce. "Vou para Casa" conta com as interpretações de Michel Piccoli, John Malkovich (que trabalhou com o cineasta em "O Convento"), e Leonor Silveira, uma presença habitual na filmografia do realizador de 92 anos.
"Vou para Casa" é a história de um actor de teatro, Gilbert Valence, interpretado por Piccoli, que redobra assim a sua presença em Cannes, uma vez que o seu filme "A Praia Negra" vai ser apresentado na Semana da Crítica.
Uma noite, no fim de uma representação, a tragédia irrompe na vida de Gilbert Valence: a sua mulher, filha e genro morrem num acidente de viação. O actor vai então dedicar a sua vida ao neto e ao teatro, até ao dia em que, durante o ensaio de "Ulisses", começa a ter falhas de memória e decide ir para casa.
Paulo Branco, o produtor do filme, não se mostrou surpreendido com a escolha de "Vou para Casa" para a selecção oficial de Cannes. "É sempre uma surpresa, mas com Manoel de Oliveira deixou de ser. O filme foi visto há bastante tempo pelo comité do festival e deram-me a entender que tinha grandes possibilidades, pois ficaram mais uma vez surpreendidos com a energia e a sensibilidade de Manoel de Oliveira", disse à TSF.


"Ganhar a Vida" apresentado na categoria "Un Certain Regard"

"Ganhar a Vida", recentemente estreado em Portugal, integra também a selecção oficial do Festival, na categoria "Un Certain Regard". A longa-metragem de Canijo decorre no meio da comunidade portuguesa em França, que vive na "banlieue" parisiense, em bairros incaracterísticos semelhantes aos que se observam em "O Ódio" de Mathieu Kassovitz (já exibido em Portugal). Um mundo que, segundo a nota de intenções do realizador, "se define pela desconfiança e recusa da diferença, uma comunidade de pessoas isoladas que não comunicam nem se entendem, gente que se esconde com medo de se mostrar aos outros, gente que não se relaciona com os vizinhos".
Cidália, interpretada por Rita Blanco (que volta assim a trabalhar com João Canijo, com quem iniciou o seu percurso de actriz há 15 anos), tem 36 anos, é portuguesa e vive com o marido, a irmã e os dois filhos. A vida de Cidália, tal como a de tantas outras portuguesas radicadas em França, resume-se ao árduo trabalho nas limpezas, à poupança de todos os tostões, guardados religiosamente para construir a casa, quando um dia, que não se sabe quando e parece sempre que nunca chega, voltar a Portugal.
Mas numa madrugada fria, Cidália recebe um telefonema no trabalho. Não se ouve voz, não se sabe o que se passou, mas ela sai disparada. O filho mais velho, a quem ela pedira para regressar a casa cedo, morreu, alegadamente assassinado pela polícia.
A partir daí, a vida de Cidália transforma-se. Inconformada com as explicações oficiais e com a passividade da comunidade e da sua própria família, Cidália revolta-se e quebra a lei do silêncio em que se escondem os "tugas", com medo de represálias e xenofobias. Ao revoltar-se contra tudo e todos, num caminho de expiação da morte do seu filho, Cidália vai ganhar verdadeiramente a vida, na redenção da água do Sena e da chuva parisiense.


Filmes de Godard e Moretti também em competição

Em competição para a Palma de Ouro vão estar mais 22 filmes, entre os quais "Eloge de l'amour", de Jean-Luc Godard; "O Quarto do Filho", de Nanni Moretti (que conquistou recentemente o prémio David di Donatello, o galardão italiano equivalente ao Óscar); "Shrek" (o primeiro filme de animação em competição no festival); e "La Pianiste", de Michael Haneke (o realizador de "A Festa", recentemente exibido na RTP2).
O júri do 54º Festival de Cannes vai ser presidido pela actriz Liv Ullmann e composto ainda pelos realizadores Edward Yang, Mathieu Kassovitz e Moufida Tlatli. O júri das curtas-metragens será presidido por Erick Zonca (o realizador de "A Vida Sonhada dos Anjos") e composto pela actriz Valeria Bruni Tedeschi e pelos realizadores Lynne Ramsay, Rithy Panh e Samira Makhmalbaf (a realizadora de "O Quadro Negro", em exibição em Portugal). A realizadora e actriz portuguesa Maria de Medeiros vai presidir ao júri dos prémios "Caméra d'Or".
Fora de competição destaca-se a apresentação do "director''s cut" de "Apocalyse Now", de Francis Ford Coppola, que apresenta mais 53 minutos do que a versão comercial. Coppola - que ganhou a Palma de Ouro em 1974 com "The Conversation" e em 1979 com "Apocalyse Now" - estará presente em Cannes. Gilles Jacob, presidente do Festival, já sublinhou a importância desta exibição. "Parece-me muito importante, 21 anos depois de ter inscrito um marco na história do cinema e apenas um ano depois da primeira visita de um Presidente norte-americano a solo vietnamita, mostrar que esta obra não perdeu nada da sua força e da sua perturbante actualidade", afirmou.


Wong Kar-wai dá lição de cinema

Este ano, a tradicional "lição de cinema" será dada por Wong Kar-wai, realizador de "Chungking Express", "Anjos Caídos" e "Disponível para Amar" (em exibição em Portugal). Nesta lição, o mais "in" dos realizadores asiáticos irá falar sobre a maneira caleidoscópica como constrói os seus filmes. Wong Kar-wai explicará que vê as histórias como peças de um puzzle, que se vão encaixando.
A retrospectiva deste 54º Festival de Cannes será dedicada aos anos de ouro da comédia norte-americana, sendo exibidas várias longas-metragens consagradas do género, mas também alguns filmes inéditos. A inaugurar a retrospectiva, o mestre da comédia: Charlie Chaplin.
O Festival vai ainda homenagear uma das figuras mais marcantes do cinema italiano, Vittorio de Sica, cujo centenário do nascimento se celebra este ano, com a exibição de "Milagre em Milão" e "Ladrões de Bicicletas". As comemorações dos 50 anos dos "Cahiers du Cinéma" serão também inseridas no programa do Festival de Cannes.


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