Das Armas "Burras" às "Inteligentes"

Domingo, 16 de Março de 2003

Os Estados Unidos usaram, na sexta-feira à noite, pela primeira vez desde 1998, uma das suas mais poderosas armas aéreas - o bombardeiro B-1B - contra posições iraquianas na zona de exclusão aérea, no Sul. Do ataque, que ocorreu 370 quilómetros a Leste de Bagdad, resultaram destruídos dois radares móveis.

A operação foi a mais recente de várias do género, 34 desde Janeiro, mas a primeira em que foi usado um recurso tão poderoso. Analistas citados pela BBC "online" têm poucas dúvidas: os americanos estão mesmo decididos a ir para a guerra.

O B-1B Lancer, um bombardeiro estratégico multiusos de longo raio de acção, já foi usado na guerra do Golfo de 1991. As armas prontas para o conflito que se anuncia não são em geral surpresa, entre aviões, tanques e bombas. Notícia é o grau de sofisticação introduzido na maior parte delas, tão grande que um perito militar americano dizia há duas semanas à "Newsweek" que acabou a era das guerras "mecânicas".

O mais temido helicóptero do mundo, o Apache, vai voltar, mais mortífero. Agora, renomeado AH-64D Apache Longbow, tem um cilindro sinistro sobre o rotor, um sistema chamado "Longbow", capaz de descobrir e "apanhar", um a um, 16 carros de combate inimigos, cerca de 700, do tipo T-62 e T-72, portanto relativamente modernos, e de os destruir de imediato.

Com o terror da cavalaria iraquiana regressam vários "Efes" - o F-14, mais conhecido por Tomcat, o F-15E, um avião de superioridade aérea, o F-16, de ataque ao solo, o F/A-18 Hornet, tanto de combate como de bombardeamento, todos com melhoramentos tecnológicos de ponta capazes de tornar mais mortífero o paiol de "rockets" e todo o tipo de mísseis, ar-ar, ar-terra, que levam presos às asas.

Para recolher e a processar informações para as tropas em terra, os americanos vão ter três tipos de aviões: o Dragon Eye, o Predator e o Shadow, os dois últimos do tipo UAV ("Unmanned Aerial Vehicles"). O Shadow é igualmente uma novidade.

Destruição praticamente infalível
Entre as armas ditas "inteligentes", mísseis e bombas, os destaques vão para o "Storm Shadow" e o JASSM, mísseis respectivamente de cruzeiro e ar-terra, a JDAM, que é menos uma bomba do que um "kit" de orientação, e a WCMD, um cilindro cheio de pequenas bombinhas - normalmente "cluster bombs" do tipo BLU-114/B, feitas para inutilizar instalações eléctricas, ou CBU-97, antitanque, guiadas por infravermelhos. Um grupinho de quatro projécteis tão exóticos como devastadores - a BROACH, que fura um "bunker" e explode lá dentro, a E-Bomb, que neutraliza todos os sistemas inimigos de detecção, e a HTI J-1000, uma arma termo-corrosiva, incendiária - fica de fora.

De todas, os especialistas vêm elegendo a JDAM, um sistema ultramoderno que salvou da sucata engenhos "burros", quer dizer incapazes de chegarem sozinhos ao alvo. A JDAM - "Joint Direct Attack Munition", ou Munição Comum para Ataque Directo, não é propriamente uma bomba mas um "kit" que transforma projécteis outrora cegos em instrumentos de destruição praticamente infalíveis. Desenvolvida a partir de 1993, por encomenda conjunta da Força Aérea e da Marinha, foi a primeira arma guiada por GPS ("Global Position System") a entrar ao serviço em 1997.

Constituído por umas aletas de cauda, um sistema de orientação e um computador, mais antenas, mais cabos, tudo em ponto muito pequeno, o dispositivo torna bombas convencionais em sofisticados engenhos que, depois de lançados, são guiados até ao alvo por satélite. Os projécteis mais comuns são os GBUs, a designação que tomaram velhos artefactos rejuvenescidos.

Outra notícia é o engenho que os americanos acabam de testar na Florida, a MOAB, acrónimo de "Massive Ordnance Air Burst" (Munição de Explosão Atmosférica Maciça), a mais poderosa bomba convencional construída até hoje. É desmesurada, pesa um elefante e meio, chega num C-130 e tem um poder de destruição difícil de descrever (ver caixa).

No alvo
Das bombas que não matam, os especialistas têm sublinhado a "E-Bomb" - o "E" quer dizer electrónica. É uma arma com um alto poder de microondas que explode no ar e cria um campo electromagnético que anuvia todos os sistemas eléctricos inimigos, dos radares às máquinas de lavar. É das mais cegas e impiedosas do arsenal americano.

Depois de deflagrar, emite uma força de 2 mil milhões de watts (um microondas doméstico não vai em regra a mais de 800) e envolve frequências entre os 4 e os 20 GHz. Uma só unidade de duas toneladas pode desligar tudo numa área de 130 mil metros quadrados.

Antes da guerra do Golfo de 1991, acreditava-se que seis bombas "burras", praticamente a carga total de um caça comum, eram necessárias para destruir um determinado alvo. Na Operação Tempestade no Deserto, os americanos lançavam entre 20 e 24 caças F-16, aviões de ataque ao solo, para aniquilar um objectivo, por exemplo uma base aérea inimiga, composta por vários hangares, atingindo-o em várias pontos. Com as ultramodernas armas de precisão são necessários apenas dois a quatro jactos.

Só 6 por cento de toda a artilharia lançada durante a guerra de há 12 anos era dotada de navegação de precisão, como as bombas guiadas por "laser", mísseis orientados por alvos televisionados e mísseis de cruzeiro com orientação inercial, o mais sofisticado que havia. O GPS dava então os seus primeiros passos mas apenas na área da navegação, sem qualquer papel da orientação de mísseis.

Finalmente, em terra, o Abrams, o carro de combate ponta-de-lança da investida de 1991, vai reaparecer com mais acessórios. A última versão do modelo M1A2 é uma máquina tão cheia de recursos tecnológicos como cara - o seu custo ronda os 4,3 milhões de dólares a unidade.

O blindado é uma caixa de apetrechos de última geração, como o TIS ("Thermal Imaging Sistem"), um sistema de visão três vezes maior e dez vezes mais pormenorizado do que o clássico, que detecta e mostra num monitor onde e a que distância está o alvo. Ou o GPS-LOS ("Gunner?s Primary Sight - Line Sight"), um invento ultracerteiro que informa o artilheiro para onde deve apontar o poderoso canhão de 120 milímetros - que, entre vários tipos de granadas, dispara uma de urânio empobrecido.

Um especialista norte-americano, o general Robert Scales, comparava há dias na "Newsweek" a guerra de 1991 com a que está aí à frente afirmando que os meios empregues nesta terão pouco a ver com aquela. "A guerra do Golfo I foi a última das guerras da idade da mecânica", disse.

Fernando Sousa

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