Colecção
Privada "'As Meninas' resume, de alguma forma, toda a obra de Velázquez", diz Anísio Franco, para quem o mestre da corte de Filipe IV é "o maior pintor de todos os tempos". Filho da pequena nobreza de Sevilha, com ascendência portuguesa, Diego Velázquez (1599-1660) estuda pintura na oficina de Francisco Pacheco. É nesse ambiente de tertúlia, em que se discute Ticiano ou Miguel Ângelo, que se familiariza com o trabalho de Caravaggio. Mas, é só aos 29 anos que Velázquez encontra o mestre que mais haveria de o influenciar: Peter Paul Rubens, que estava em missão diplomática em Madrid. "Velázquez recebe grande parte da sua formação junto dos pintores de Sevilha, mas Rubens é fundamental. Foi o único pintor espanhol a conhecê-lo e a receber dele muitos conselhos." "As Meninas", um quadro que pode ser lido como um retrato da família real, é um "paradigma da obra de Velázquez". Nele, o pintor usa "todos os subterfúgios" que caracterizam o seu trabalho de retratista de uma corte fechada, com grandes constrangimentos de etiqueta. "É uma cena do quotidiano, muito ao espírito da corte - as aias da infanta estão a assisti-la - em que há um grande formalismo de comportamentos. Este é o pretexto. Nas obras de Velázquez ficamos sempre com a sensação de que a pintura tem um objecto para além do evidente. Aqui é o retrato do casal régio, que aparece reflectido no espelho." O quotidiano é o protagonista num cenário de grande realismo, à semelhança do que acontece em "Cristo em casa de Marta e Maria". "As Meninas", como muitos outros quadros de Velázquez, está envolto num certo mistério. "Aqui há o reflexo no espelho e a pintura dentro da pintura. O facto de Velázquez se representar é também muito interessante porque é uma forma de contornar os problemas sociais da época. Como não se pode representar em presença dos reis, escolhe uma cena com as meninas da corte em que os reis estão presentes mas de uma forma muito subtil", explica Anísio Franco. Mas, afinal, que quadro está Velázquez a pintar na tela que aparece em "As Meninas"? Estará a pintar a cena que vemos ou um retrato dos reis? Para onde está a olhar? Será que olha para um espelho que reflecte outro espelho? "Estes enigmas interessam-lhe porque permitem a Velázquez mostrar a sua capacidade de ultrapassar os formalismos, exaltando a pintura." Na sua obra, de "um realismo impressionante" que se revela, por exemplo, no retrato do Papa Inocêncio X, há ainda uma grande modernidade que explica o fascínio que causou entre os impressionistas. "Foram eles que o descobriram e que o tornaram conhecido fora de Espanha. Se não soubéssemos que são de Velázquez, as pinturas que fez da Villa Médicis [1630], em Roma, poderiam ser impressionistas." Referindo-se à "dispersão da pincelada" e ao "trabalho de luz e sombra", Anísio Franco acrescenta: "Velázquez mostra a própria essência da pintura. Nele a pintura é o objecto, a matéria." Em Portugal existem duas cópias antigas de obras de Velázquez: "A Rendição de Breda", no Palácio de S. Vicente de Fora, e um retrato da rainha Maria Ana, a segunda mulher de Filipe IV. |
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