Colecção Privada
O quadro da semana
"Barco em Chamas"

As pinturas de Turner "conduzem-nos à experiência do absoluto e do sublime", diz João Castel-Branco

Há dúvidas sobre o título desta aguarela do pintor inglês J.M.W. Turner - "Barco em Chamas " ou "O Naufrágio", e data de possivelmente da década de 1830. Esta obra já passou por Lisboa, na exposição que o Museu Calouste Gulbenkian apresentou sobre Turner, no ano passado. E foi esta aguarela que o director do Museu Gulbenkian, João Castel-Branco, elegeu para Quadro da Semana na Colecção Privada.

Há "dois" Turner na Gulbenkian, "duas das mais sublimes pinturas deste autor", diz Castel-Branco, "O Naufrágio de um Cargueiro" (c. 1810) e "Quillebeuf, Foz do Sena" (1833). São obras que "transmitem a imagem de paisagens marítimas agitadas, seja pelo movimentos revolto das águas seja pela configuração turbulenta dos céus, levando-nos por vezes, quando as observamos, a esquecer aquilo que está representado". Os olhos fixam-se, então, "apenas no movimento vertiginoso das grandes manchas de cor e luz, através das quais somos conduzidos a estados de emoção profunda".

Isso acontece com maioria das obras de Turner: "Assim desligamos-nos da preocupação de identificarmos os objectos representados e somos orientados para a capacidade que luzes, cores e formas têm em nos transmitir sensações, sentimentos e ideias, situações de interrogação e mistério que nos conduzem à experiência do absoluto e do sublime."

E esta aguarela não é excepção, apesar de ocupar um "lugar oposto a qualquer das pinturas da Gulbenkian", que são obras "tecnicamente muito acabadas e com uma figuração precisa de pormenores e pequenos episódios", explica o director.

Esta obra tem, assim, um efeito de imediato, de espontâneo. Porque esta "foi uma das muitas aguarelas que Turner executou perante o que estava a ver, registo directo do que o impressionava, sem descrição de pormenores, apenas memória de grandes manchas, luzes e movimentos".

Como se fazem esses "instantâneos"? João Castel-Branco explica: "O artista manchava rapidamente o papel com a tinta fluida da aguarela, revelando-se o seu génio na certeza com que as manchas organizavam com rigor o rectângulo do papel e registavam a informação essencial para as grandes pinturas a óleo."

As aguarelas de Turner são hoje, "surpreendentemente modernas", "próximas da abstracção", mas "este tipo de obra era material privado de trabalho para o artista, que não as apresentava ao público". Passando depois para as pinturas finais, "a força e vitalidade destas impressões breves não se perdiam", uma vez que "permaneciam como estrutura e pensamento". Neste caso, o registo directo é o real. Como a poesia. João Castel-Branco "justifica-o" com Novalis, escritor alemão contemporâneo de Turner: "A poesia é o autêntico real absoluto (...) quanto mais poético mais verdadeiro."

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