Colecção Privada
O quadro da semana
“Catedral”

Para o pintor, professor e crítico de arte, as obras abstractas de Jackson Pollock eram uma forma de “exorcismo”

À medida que Nova Iorque se foi tornando um gigantesco centro cosmopolita, o interesse e a curiosidade sobre o novo estilo pictórico norte-americano aumentaram a olhos vistos. A técnica arrojada de Jackson Pollock (1912-1956) despertou a atenção, porque o artista usava os gestos do corpo para definir a intenção dos seus trabalhos.

Para Eurico Gonçalves, pintor, professor e crítico de arte, a obra “Catedral” (1947) é emblemática deste “ritual” artístico em que Pollock “se movimenta instintivamente sobre a tela de grandes dimensões, estendida horizontalmente no chão”. O resultado é “um complexo e labiríntico espaço contínuo, que se pode prolongar indefinidamente para além dos limites do suporte”. Este género de pintura automática ficou conhecido por “action painting”, conceito atribuído pelo crítico americano Harold Rosenberg.

Ao criar o expressionismo abstracto, Jackson Pollock teve em conta um conjunto de referências que Eurico Gonçalves ajuda a sintetizar: foi “inicialmente atraído pelo realismo violento e distorcido, à escala monumental, dos muralistas mexicanos Orozco, Rivera e Siqueiros, e pelo expressionismo cubista da ‘Guernica’ de Picasso”. Para entender o seu estilo vibrante, deve-se também ter em conta “a influência do surrealismo biomórfico, gestual e sinalético de André Masson, Miró, Matta e Gorky”.

Sobre a tela, Pollock projectava salpicos de tinta com diversas linhas de cor contrastante (método conhecido por “dripping”). O ritmo, tal como recorda Eurico Gonçalves, era “rápido e compulsivo”, numa nova abordagem de uma arte antiga — as pinturas primitivas feitas de areia por índios americanos.

Para o crítico de arte, Pollock pintava “em estado de transe”, num acto que é também “um exorcismo, uma forma de libertação do ser”. Em “Catedral”, obtém-se “uma surpreendente unidade plástica resultante da imagem global da pintura, vivida intensamente como um acontecimento em si mesmo”. E acrescenta: “Fascinado pelos dados imediatos do inconsciente, Pollock não só recupera a vitalidade de gestos e rituais primitivos, como faz coincidir essa referência ancestral com a necessidade de exteriorizar as inquietações mais profundas do homem contemporâneo.”

A pintura deste norte-americano é também um reflexo da importância que a psicanálise e o princípio do “automatismo psíquico” tiveram na primeira metade do século XX. Segundo Eurico Gonçalves, Pollock procurava “a apreensão directa de uma realidade física e psíquica, que se projecta em todas as direcções no espaço pictural”.

 

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