Colecção Privada
"O Almoço" foi pintado em Argenteuil entre 73 e 74, depois de Claude Monet ter estado em Inglaterra e na Holanda - 1874 é um ano importante para o impressionismo, ano em que os artistas que participaram no Salão dos Recusados (1863) são convidados pelo fotógrafo Nadar a fazer uma exposição no seu atelier, no Boulevard des Capucines. E este é também o ano em que os impressionistas "se organizaram como grupo, se viram inseridos na vida cultural parisiense, se reuniram num entusiasmo criativo onde as dissensões ainda não espreitavam", explica Maria João Ortigão, professora de Estética e História da Arte na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. "O famoso Salão dos Recusados, que não podemos recordar sem rir, esse salão onde se viam mulheres da cor do tabaco de Espanha, montando cavalos amarelos, no meio de florestas de árvores azuis, esse Salão era um Louvre em comparação com a Exposição do Boulevard des Capucines [atelier de Nadar]." Foi um crítico que, em Abril de 1874, resumiu assim a primeira exposição dos impressionistas, "onde foram vistos pela primeira vez, entre outros, 'O camarote' de Renoir, 'A casa do enforcado' de Cézanne, 'Impressão sol nascente' e 'O almoço' de Monet", diz a professora. Para Maria João Ortigão, Monet "foi logo reconhecido como chefe de escola" e "o único artista que respeitou até ao fim os pressupostos plásticos e estéticos do movimento". Como? "Perseguindo o instante, não vendo na natureza senão vibrações ou sensações de luz; desconfiando da mediação das palavras, considerava o primeiro olhar o mais verdadeiro e por isso lamentava-se não ter nascido cego", explica a professora. Aliás, continua, não é por acaso que Cézanne, "com alguma indulgência", dizia que Monet era "apenas um olho, embora acrescentasse: 'Mas que olho, meu Deus!'" "O quadro representa um jardim florido, cheio de sol, no centro do qual se encontra uma mesa acabada de servir. Do lado esquerdo, uma criança brinca no chão, do lado direito está um banco onde pousam uma sombrinha e um saco. No primeiro plano, um carrinho de chá recolhe um copo, um prato com frutas, dois pães. Num plano recuado, separadas por uma franja de luz, duas mulheres passeiam. Nos ramos de árvore que enquadram a cena, está pendurado um chapéu de palha." O que há sobretudo são manchas de cor, ausência de contornos definidos e muitos pormenores: "Os tufos floridos são pretexto de recriação no pigmento das suas sensações ópticas e por isso dificilmente distinguimos os tipos de flores representados", explica. Se mais tarde "a procura formal" irá sobrepor-se a tudo - "caso das várias séries, até aos últimos e extraordinários nenúfares, que abriu caminhos que um Kandinsky por exemplo não deixará de explorar", neste quadro estamos, ainda, "perante um compromisso". Um compromisso, diz, para com o movimento impressionista, que se espelha aqui, de forma evidente: "Há o estudo da luz e da cor, da captação do instante, da diluição formal, mas também um momento de vida que se quis eternizar." E também se vêem as pequenas coisas que só um primeiro olhar pode captar. "O Almoço" é, por isso, um "momento de suspensão do tempo, de eterno idílio, em que tudo parece milagrosamente certo, sem esforço e sem tensão - afinal um hino à vida e à pintura, quando as cores de ambas se encontram, assim, para nosso encantamento". |