Colecção Privada
O quadro da semana - Nu Azul IV

O director da Fundação Arpad Szenes escolheu este quadro de recortes e colagens em que Matisse "atinge a depuração máxima das formas"

"Nu Azul IV" (1952) é um dos quadros "mais significativos" da última fase da vida de Henri Matisse (1869-1954), quando adoece e fica imobilizado numa cadeira de rodas. É nesta altura que adopta a técnica dos "papéis recortados, pintados por ele a guache; mas não são papéis de cores industriais, são cores que ele escolhe", explica Sommer Ribeiro, director da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa.

Foi-lhe "extremamente difícil" escolher um quadro do pintor francês porque "todos os seus períodos são notáveis". Há, contudo, "uma razão muito forte para escolher esta obra, uma das suas últimas": "Inicia-se aqui uma fase muito boa. Matisse atinge uma depuração máxima das formas, a sobreposição no corpo serve para valorizar a composição - é de uma perfeição extraordinária." Este quadro demonstra "uma limpidez que atingiu e que se reflecte até ao fim."

Ao lado de outros pintores contemporâneos, Sommer Ribeiro diz que a importância de Matisse é semelhante à de Picasso. "Quem é melhor?", pergunta. "Matisse influenciou bastante a pop art, sobretudo devido à presença da cor, do delinear do traço. Mas também pintores portugueses sugerem a sua influência, como Júlio Pomar, principalmente na sua série de colagens, em que há uma sobreposição de telas."

Em Matisse, a cor é o elemento fundamental. "Há uma importância muito grande da cor e da forma, mais do que em Picasso, a quem a pintura sai, de um jacto, e que chegava a fazer um quadro num dia. Matisse tem outro tipo de trabalho." Os quadros do francês são, "ainda que extremamente espontâneos, muito pensados, elaborados, como, por exemplo, a série das Odaliscas, em que vai conseguindo aperfeiçoar as formas", explica.

O director da Fundação Arpad Szenes conta uma história sobre a relação entre Picasso e Matisse: "Consta que Matisse vendeu um quadro que não queria ter vendido e, anos depois, descobre que foi Picasso que o comprara. Pediu-lho de volta, ao que Picasso respondeu: 'Não to vendo porque ele faz-me muita falta'. Era o maior ladrão das ideias dos outros (nas suas próprias palavras). Isso mostra a importância que o próprio Picasso dava a Matisse."

Mas Matisse manteve sempre a pureza inicial, a mesma de quando começou a pintar. As palavras do pintor comprovam-no. Disse um dia: "Devemos saber como preservar a frescura e a inocência que uma criança possui quando entra em contacto com uma coisa. Temos que permanecer criança a vida inteira e, ao mesmo tempo, um homem que capta a sua energia das coisas do mundo."

"Isto revela bem como Matisse trabalhou e viveu", explica Sommer Ribeiro. "Jacques Brel dizia que era preciso ter talento para ser velho e ter sido adulto. Ninguém diz que Matisse foi um velho: evoluiu nas cores, nas técnicas. Era um homem de uma alegria interior enorme. Os seus quadros demonstram-no."

Esta obra é essa "síntese perfeita" - "com o mínimo de elementos, vai simplificando a forma até atingir a pureza, com todo o poder do movimento", explica. "Está lá tudo."

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