Colecção
Privada
Francis Bacon demarcou-se do vasto grupo de pintores do século XX pela ironia pessimista das suas obras, onde a figura humana emerge como uma caricatura disforme e assumidamente desconjuntada. Nascido em 1902, em Dublin, o artista deixou-se influenciar pelos trabalhos de Goya, Grünewald, Duchamp e Van Gogh. E gostava de interpretar à sua maneira obras-primas que o inspiravam, como as do espanhol Velásquez. “Estudo sobre o Retrato do Papa Inocente X de Velásquez” (1953) foi a obra que mais marcou Paulo Viveiros, professor universitário de Teoria da Imagem e da Representação. A razão para esse fascínio é “física”: “A única vez que o vi, numa retrospectiva da obra do pintor no Centro Pompidou em 1996, ao entrar na sala em que estava exposto, senti uma espécie de magnetismo que me atraía para aquela imagem.” A obra faz parte de uma série elaborada a partir de uma fotografia do retrato que Velásquez fez do Papa Inocente X. Porém, na visão única de Bacon, o seu aspecto parece bem mais grotesco que o original. E realçam-se “as pinceladas, que no sentido ascendente convergem para a boca, como se fosse uma aspiração”. Segundo Paulo Viveiros, este é um detalhe importante, porque “a boca era uma obsessão na obra do pintor”, que tentava representá- la nas telas “com a beleza de uma paisagem de Monet”. O artista britânico não se sentiu porém satisfeito com esta série de quadros. Mas, na opinião do professor, esta pintura não deixa de incluir “alguns princípios estruturadores da sua obra”: “Uma figura isolada de um fundo neutro, por uma espécie de redoma.” Este isolamento é uma característica dominante na pintura de Bacon, que, neste caso, “é invadida por um devir animal que a deforma” Um aspecto que leva Paulo Viveiros a traçar mais alguns sinais distintivos do artista: “O Papa de Velásquez dá um grito mudo que agita o seu corpo. Daí que toda a pintura de Bacon, como disse Deleuze, é uma captação de forças e não a reprodução de formas.” Num período em que as vanguardas pictóricas apostavam no abstraccionismo, o pintor, que faleceu em 1992, escapou às tendências dominantes e registou um retorno peculiar ao figurativo. Para o professor, Bacon “destrói a pintura narrativa, não procura contar histórias, mas libertar sensações”, o que o leva a evidenciar o “excesso de presença do corpo/figura, que elimina tudo o resto à sua volta, levando-nos para um mundo háptico”. Em “Estudo sobre o Retrato do Papa Inocente X de Velásquez”, o que sobressai é a componente “histérica do corpo”.
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