Colecção Privada
A conservadora de pintura do Museu Gulbenkian, Luísa Sampaio, passara os olhos sobre esta obra, “dezenas de vezes”, “com alguma indiferença, através de reproduções em catálogos”. Só quando a viu na National Gallery de Londres é que o impacto face a “Banhistas em Asnières” (1883- 84), conta, foi “avassalador”. “O que mais me impressionou foi a alteração de escala, a surpreendente dimensão da tela; a solidez escultural dos corpos, o imobilismo silencioso das figuras, o seu isolamento interior. Um contraste impressionante com a suavidade da atmosfera envolvente, com a justa medida da luminosidade, com a pulverização contida da cor”, diz. Foi um trabalho de composição demorado de Seurat que esteve um ano a fazer estudos, num “intenso trabalho de construção”, refere. Esta é a primeira tela de grande formato de Seurat. Foi recusada pelo júri do “Salon” em 1884. A conservadora explica essa “construção” do quadro: nos primeiros esboços, em “atelier”, Seurat “concentrou- se nas figuras, trabalhadas individualmente”; nos segundos, “ao ar livre, ensaiou a arquitectura espacial definitiva, constituída por uma diagonal que divide em dois triângulos bem definidos a margem esquerda do Sena e a superfície calma do rio”. Seurat, “ao associar na versão final estes elementos com o plano mais recuado do quadro (definido pela horizontalidade das fábricas – um apontamento sobre a vida moderna e a transformação da paisagem pela industrialização)”, teve como objectivo criar “um sistema lógico, científico e pictural”, explica. Esse sistema era, então, “capaz de fazer as linhas do quadro convergir tal como a combinação da cor, para a harmonia – essência da arte segundo Seurat”. Apesar de ser uma tela de “leitura aparentemente fácil”, “Banhistas em Asnières” sintetiza, diz a conservadora, “conceitos fundamentais em correntes opostas no final do séc. XIX”. Por exemplo? “A tradição da escola de Belas-Artes, por um lado, evidente na autonomia escultural das figuras seminuas, desprovidas de espontaneidade; a influência impressionista na escolha do tema, por outro, uma cena à beira- rio em Asnières, onde Monet e Sisley pintaram com frequência”. A mesma influência está, além disso, na “paleta de cores, a lembrar Pissarro e Renoir, onde Seurat encontrou a base da ‘pintura óptica’ que tão obsessivamente perseguiu”, explica. Caminhamos, então, para o pontilhismo, técnica que será sempre indissociável de Georges Seurat. Porquê? “Ao invés de misturar pigmentos – e será esse o grande legado de Seurat e do pontilhismo que esta obra de transição anuncia –, o pintor irá concentrar-se cada vez mais no preenchimento da tela ponto por ponto com cores primárias, resultando daí a síntese, “a posteriori”, dos elementos da composição, num processo em que a obra se completa, em rigor, na retina do observador”. Como em “Um Domingo na Ilha da Grande Jatte”, de 1884-86,
que confirmaria Seurat como “líder natural do Neo-Impressionismo”.
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