Colecção Privada
Depois, continua, “essa segurança dá lugar a um fascínio, quando descobrimos que além disso, são os quadros que sonhámos realizar”. Há aqui uma admiração por Klee, pelas suas obras “tão poéticas, como inapreensíveis”. Conforme vamos penetrando nos seus segredos, continua Sá, “aparecem pormenores que nos revelam o seu domínio das técnicas da pintura”. E o que parecia ter sido provocado pelo acaso, “é visto agora perfeitamente calculado, exacto e rigoroso, no entanto, com a mesma frescura e espontaneidade que nos tinha deslumbrado da primeira vez”. Talvez por isso Paul Klee seja um caso à parte no percurso da pintura moderna. Para Avelino Sá, o trabalho de Klee é testemunha “de uma personalidade artística inquieta e surpreendente que se dedicou a transpor para imagens todo um repertório de possibilidades”. A palavra “repertório” não surge em vão. Está ligada à música, tal como Klee o esteve, tal como este quadro, que Avelino Sá elegeu, “Cena de Batalha da Ópera Fantástica ‘O Navegador’” (1923). Há um tenor e três monstros marinhos: “O guerreiro enfrenta os monstros com uma lança vermelho sangue, que contrasta com o fundo quadriculado em tons escuros.” E a cena é tão real, que, na zona mais iluminada, onde estão os monstros, “quase ouvimos os grunhidos que estes lançam ao herói desta ópera cómico-fantástica”, explica Sá, “a lembrar o mito de ‘Ulisses e as Sereias’ da ‘Odisseia’ de Homero.” Uma das características mais interessantes em Klee é o facto de os seus quadros não pretenderem reproduzir a natureza (como neste, portanto), “mas superar o seu aspecto exterior, para depois o transpor Os quadros de Paul Klee são “formas puras” entre “a figuração e a pintura abstracta, incitando o nosso espírito a atravessar a fronteira nos dois sentidos”, diz Avelino Sá para a pintura”, diz Sá. Porque foi através do estudo da natureza que Klee encontrou três pontos para a prática da pintura. A saber: “Conseguir que a observação se torne vivência; que as formas surjam do seu pincel segundo um processo idêntico ao dos fenómenos naturais; e que tudo seja possível mediante a intervenção tanto da razão, como da espontaneidade mais inconsciente”, explica o artista. Isto porque os seus quadros são “formas puras” entre
“a figuração e a pintura abstracta, incitando o nosso
espírito a atravessar a fronteira nos dois sentidos”. É
ao subconsciente — “enorme reservatório de imagens
verbais e memórias residuais” — que Klee vai buscar
as fantasias. “Mas não lhe interessa trazer para o consciente
o mundo do subconsciente; o que ele quer é sugerir a natureza desse
mundo subliminar”, ou seja, “escapar-se para o mundo das memórias
residuais, de imagens desconexas, pois é esse o universo dos contos
de fadas.” ¦ |
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